O que é que a baiana tem?

por Sérgio Trindade foi publicado em 06.fev.24

Em abril de 1938, o baiano Dorival Caymmi desembarcava no Rio de Janeiro e trazia na bagagem letra e música que explodiria na Rádio Tupi e estaria na trilha sonora do filme Banana da Terra, um musical produzido pelo norte-americano Walace Downey em 1939.

A música, cantada por Carmem Miranda no filme acima citado, que estreou em fevereiro de 1939, fazia menção à vestimenta das mulheres negras e mestiças da Bahia que ganhavam a vida vendendo quitutes nas ruas de Salvador (O que é que a baiana tem? / Tem torço de seda, tem! / Tem brincos de ouro, tem! / Corrente de ouro, tem! / Tem pano da costa, tem! / Tem bata rendada, tem! / Pulseira de ouro tem! / Tem saia engomada, tem! / Sandália enfeitada tem! / Tem graça como ninguém), tornou-se um estrondoso sucesso.

A inspiração para a música nasceu de um encontro fortuito entre o cantor e compositor, em 1938, em frente ao fórum da Misericórdia, onde a jovem de 28 anos Luiza Franquelina da Rocha tinha uma banca de acarajé, conforme registra Nívea Alves do Santos em sua dissertação de mestrado Entre ventos e tempestades: os caminhos de uma gaiaku de Oiá. No trabalho, Nívea Santos aponta que “Luiza foi uma dessas mulheres ganhadeiras que”, como tantas outras, “cruzava a Rua Chile como seu tabuleiro para vender acarajé em frente ao Fórum da Rua Misericórdia” e foi ali, nas “suas imediações que se deu um dos grandes encontros da vida de Luiza, quando, segundo ela, foi projetada para o mundo através da sua imagem e da música de Dorival Caymmi, ‘O que é que a baiana tem?’. Nesta época, ela já havia sido iniciada no candomblé e cumpria, como parte de suas obrigações, a tarefa de vender acarajé. Com o seu tabuleiro, ela se dirigia todos os dias, exceto às sextas-feiras, para comercializar os quitutes em frente ao antigo fórum da Rua da Misericórdia.”

Separada recentemente do marido e já iniciada no candomblé, Luiza vestia-se com a típica indumentária baiana (camisa crioula, anágua, saia rodada, chileno enfeitado com arminho, lenço na cabeça, muitas pulseiras e contas) quando o jovem compositor (então com 24 anos) a abordou e pediu para fotografá-la e da imagem nasceram os versos que Caymmi imortalizou.

A baiana dona de banca de acarajé e iniciada nas artes do candomblé tornou-se depois mãe de santo e nunca mais reencontrou Caymmi. No entanto, pouco antes de morrer tomou coragem e ligou para o compositor, que reagiu mal:

– Olha, a baiana de 1938 ainda está viva, começou a conversa.

– Quem? A do acarajé?, perguntou Caymmi, para logo em seguida desligar o telefone.

Baseada em alguns fatos e acontecimentos, Nívea Santos, apesar de a narrativa de Luiza ser bastante convincente, levanta algumas possibilidades, entre as quais a de não ter sido realmente Dorival Caymmi quem fez a fotografia ou que “ele talvez não lembrasse ou não acreditasse na possibilidade de reencontrar aquela baiana depois de tantos anos.”

A inspiradora morreu em 2005; o compositor, três anos depois.

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