Natal, o bairro-operário e o bairro-jardim (2)

por Sérgio Trindade foi publicado em 24.maio.21

Este texto é continuação deste aqui (http://historianosdetalhes.com.br/historia-do-rn/natal-o-bairro-operario-e-o-bairro-jardim-1/).

Ao final do século XIX, a cidade de Natal tinha apenas dois bairros, Cidade Alta e Ribeira, com esta, dadas as más condições dos acessos, praticamente separada fisicamente daquela.

Mapa de Natal até a segunda metade do século XIX

Câmara Cascudo diz, em sua História da Cidade do Natal, que a demarcação inicial da urbe deu-se com “a chantação de duas cruzes (…) fincadas nos aclives da colina” do “alto elevado e firme procurado por Jerônimo de d’Albuquerque em dezembro de 1599”, no “platô que se estende desde a praça André de Albuquerque (…) até a praça Pedro Velho”.

Praça André de Albuquerque
Praça André de Albuquerque

A cruz do norte ficou na rua que levava à Ribeira e que teve inicialmente “o nome de rua da Cruz, até março de 1888, quando lhe crismaram de rua Conselheiro João Alfredo”, passando a rua Junqueira Aires, em 1896. Hoje é avenida Câmara Cascudo; a cruz do sul ficava próxima ao riacho Tiçuru, rio da Bica, rio da Fonte, rio do Baldo”, nas imediações de onde hoje é a Praça da Santa Cruz da Bica, em frente ao prédio da COSERN.

Ladeira do Baldo, por onde passava o riacho que abasteceu a cidade por muitos anos
Praça das Mães

À Cidade Alta e à Ribeira foram incorporados dois novos bairros, Alecrim e Cidade Nova (Tirol e Petrópolis).

Nos últimos vinte anos do século XIX, os trilhos da Great Western rasgaram o estado de Natal em direção ao Agreste, intensificando o intercâmbio entre o interior e o litoral. Paralelamente, foi aberta, por sobre as dunas, estrada interligando Natal a Macaíba. Antes destas obras, Natal era superada, do ponto de vista comercial, por Macaíba e São José de Mipibu. Daí em diante, a função exportadora da capital do estado cresceu sensivelmente, atraindo levas de imigrantes que, segundo Itamar de Souza, em Nova História de Natal, fixavam-se nas áreas dos atuais Alecrim, Tirol e Petrópolis.

No início do século XX, o Intendente Municipal Joaquim Manuel Teixeira de Moura (Quincas Moura), que se dizia “cansado de olhar para o mar”, uniu-se a Pedro Velho, ambos com terrenos no Monte de Petrópolis, na área que vai do atual Hospital Universitário Onofre Lopes às imediações da avenida Nilo Peçanha, para adentrarem pelas áreas interioranas da cidade, onde construíram duas chácaras: Solidão (Pedro Velho) e Senegal (Joaquim Manuel), respectivamente os terrenos do Complexo Educacional Noilde Ramalho (Solidão) e da até pouco tempo sede do Distrito Naval (Senegal). Pouco depois, o mesmo Joaquim Manuel e Alberto Maranhão arribaram mais para o sul e ergueram casas de campo nos terrenos do atuais Aero-Clube (Alberto Maranhão) e 16º Batalhão de Infantaria Motorizada (Joaquim Manuel), seguidos por Manoel Dantas, Antônio José de Melo e Sousa, entre outros. E entre os latifúndios dos ricos, registra Itamar de Souza, “a população pobre que vinha do interior ia ocupando também os tabuleiros da Cidade Nova”.

Monte de Petrópolis, última parada do bonde

Foi neste contexto que o Intendente Municipal Joaquim Manuel editou a Resolução nº 55/1901 criando o terceiro bairro de Natal, a Cidade Nova, que inicialmente compreendia “quatro avenidas paralelas com as denominações de Deodoro, Floriano, Prudente de Morais e Campos Sales, cortadas por seis ruas com os nomes de Seridó, Potengy, Trairy, Mipibu, Mossoró e Assu e duas praças, denominadas de Pedro Velho e Municipal. A avenida que partindo da Praça Pedro Velho, se dirige no rumo norte, para as dunas, terá o nome de Alberto Maranhão”. O responsável pela demarcação e pelo alinhamento das ruas e avenidas foi Jeremias Pinheiro da Câmara.

Posteriormente, a Resolução nº 85/1903 dá um quadro mais completo das ruas e avenidas rasgadas no novo bairro, que compreenderia “oito avenidas de trinta metros de largura, paralelas na direção Norte e Sul, quatorze ruas, também paralelas, na direção Leste e Oeste, e duas praças”, com as avenidas, a partir do poente nos limites da Cidade Alta e Ribeira, com as seguintes denominações: “Deodoro, Floriano, Prudente de Morais, que a partir do ângulo noroeste da Praça Pedro Velho tomará o nome de Alberto Maranhão, Campos Sales, Rodrigues Alves, Sétima e Oitava; as ruas, a começar do Sul nas extremas da área urbana, denominar-se-ão: Ceará-Mirim, Maxaranguape, Apody, Jundiaí, Assu, Mipibu, Trahiry” e duas praças, Pedro Velho e Pio X (onde hoje está a Catedral Metropolitana.

A cidade que ao final do século XIX, de acordo com Cascudo, acabava “no sítio Cucuí, lado direito da rua Ulisses Caldas ao findar na avenida Deodoro, e o palacete do doutor Santos, paralelo, residência inacabada que foi adquirida e adaptada, em 1906, para o Colégio Imaculada Conceição, das freiras Dorotéas”, espalhou-se pelos campos dunares percorridos por caçadores e por pescadores que habitavam o Morcego (praia do Meio) e Areia Preta. As poucas choupanas “que coincidiam com os traçados iam sendo desapropriadas ou vendidas, preço baixo porque não havia valor para aquelas terras e gentes”, o que levou o jornalista Elias Souto a utilizar as páginas do seu jornal para batizar o novo bairro de Cidade de Lágrimas.

Quase que paralelamente à ocupação mais acentuada da Cidade Nova deu-se a ocupação do Alecrim, que inicialmente recebeu o nome de Cais do Sertão, porque ali, conforme Itamar de Souza, iam se instalando migrantes do interior do estado que vinham para Natal em busca de melhores condições de vida, o que levou o Intendente Joaquim Manuel a desmembrá-lo, em 1911, da Cidade Alta. Os limites do novo bairro eram: ao norte, numa “linha que, partindo da ponta de Areia Preta, se dirige, pela rua Ceará-Mirim e Baldo, ao rio Potengi; a leste, o oceano até encontrar a avenida Sul, que demora no extremo do terreno patrimonial do município; ao sul, a mesma avenida Limite do patrimônio municipal até o rio Potengi, até encontrar o ribeiro que banha o sítio denominado Oitizeiro”. Em cinco anos, segundo relatório do Romualdo Galvão, da Intendência Municipal, o bairro já possuía onze ruas, quatro travessas e 483 casas, sem ter perdido, até o final da década de 1930, a paisagem bucólica e praticamente rural, com sítios e chácaras em torno de um núcleo urbano.

Antes mesmo de criar o bairro, Joaquim Manuel editou a Resolução nº 119/1908 batizando três ruas no Alecrim: a avenida Senador José Bernardo (do Baldo à praça Pedro Américo), a General Fonseca e Silva (da praça José Américo até os limites do perímetro da capital). É prolongamento da avenida José Bernardo; e a avenida Almirante Alexandrino, que começa no Refoles até chegar à avenida Oitava (Hermes da Fonseca). Posteriormente vieram a avenida Coronel Estevam (Resolução nº 120/1908), responsável pela construção, às suas custas, da primeira estrada ligando Natal a Macaíba; a avenida Amaro Barreto (Resolução nº 132/1909), pai de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, chefe da oligarquia que mandava no estado, e empreiteiro responsável pela abertura de estrada carroçável por cima das dunas, entre Natal e Macaíba; a  avenida Comandante Sílvio Pélico (Resolução Sem Número, de 1911), oficial responsável pela instalação da Escola de Aprendizes Marinheiros.

Em sua parte mais alta, o Alecrim também teve suas ruas e avenidas traçadas em forma de xadrez, da mesma forma que foi feito na Cidade Nova, com as ruas, segundo Itamar de Souza, inicialmente numeradas de 1 a 18 e quase duas décadas depois, em 1929, na gestão de Omar O’Grady à frente da prefeitura de Natal, quando da implantação do Plano de Sistematização de Natal, recebendo “nomes de pessoas que governaram o nosso Estado no período colonial e no Império” e também de “nossas tribos indígenas, quase todas dizimadas no século XVII, ao tempo da Guerra dos Bárbaros” (http://historianosdetalhes.com.br/historia-do-rn/o-alecrim-e-as-suas-ruas-numeradas/).

Entre os anos de 1928 e 1929, Omar O’Grady desenvolveu, segundo Pedro de Lima, em Natal século XX, do urbanismo ao planejamento urbano, “um programa urbanístico que articulava a abertura e calçamento de avenidas”, o que ensejou a construção de vias de acesso ligando a Cidade Alta ao bairro das Rocas e às praias do Meio e de Areia Preta. Duas importantes avenidas foram calçadas e embelezadas: as avenidas Atlântica (atual Getúlio Vargas) e Junqueira Aires (atual Câmara Cascudo), que vão integrar definitivamente áreas longínquas à urbe, abrindo novas perspectivas para a cidade, como veremos em outro texto.

posts relacionados
Logo do blog 'a história em detalhes'
por Sérgio Trindade
logo da agencia web escolar