O Brasil nasceu no Rio Grande do Norte

por Sérgio Trindade foi publicado em 18.out.19

O Rio Grande do Norte gosta de, ao olhar para o seu passado, enaltecer momentos de primazia ou de destaque na história do Brasil e mesmo do mundo: a confederação dos cariris ou guerra dos bárbaros, revolta indígena no século XVII, teve o nosso território como epicentro; por aqui foi feita a ligação aérea África-América, na primeira metade do século XX: tivemos a primeira eleitora, no final da década de 1920; em Natal eclodiu a revolta comunista de 1935; daqui partiram os aviões que ajudaram os Aliados a vencerem, na segunda guerra mundial, as tropas do Eixo, no início da década de 1940; sediamos por décadas a única base de lançamento de foguetes do Brasil, até o final do século passado; etc.

Nunca atentamos, até o final do século passado, para a possibilidade de o Rio Grande do Norte, esquina do continente e com parte do seu litoral entrando, de forma proeminente, no oceano Atlântico, ter sido o local de desembarque da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral. Existem algumas evidências que corroboram a tese do Descobrimento do Brasil ter ocorrido no território potiguar.

Rio Grande do Norte pode ter sido o local onde desembarcou Pedro Álvares Cabral

Pesquisadores apontam que o marco de Touros, fincado na Praia do Marco, hoje região do município de São Miguel do Gostoso, indica que o gigante da Beira desceu pela primeira vez, no Brasil, na esquina do continente.

Ao final da década de 1990, Lenine Pinto, com Reinvenção do Descobrimento, e, depois, já neste século, com Mando do Mar, era um solitário defensor da tese do Descobrimento em praias potiguares. Mais recentemente, a professora Rosana Mazaro, do Departamento de Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto, com livros lançados sobre o tema, esposam a tese de Lenine. (https://www.blogdobg.com.br/o-brasil-foi-descoberto-pelo-rio-grande-do-norte-historiadores-e-estudiosos-lancam-teoria-e-evidencias/)

Mazaro, ressaltemos, tem conhecimentos que extrapolam o ambiente acadêmico, pois dedica-se também à arte de velejar, já tendo, inclusive, feito o percurso, de veleiro, Europa-Rio Grande do Norte. (https://oglobo.globo.com/sociedade/uniao-para-provar-que-cabral-chegou-primeiro-ao-rio-grande-do-norte-21238803)

Alguns elementos reforçam a tese do descobrimento potiguar, mas existem outras teses que afirmam o contrário, uma delas consagrada (http://historianosdetalhes.com.br/historia-do-brasil/o-brasil-nasceu-na-bahia/) e outra revisionista (http://historianosdetalhes.com.br/historia-do-brasil/o-brasil-nasceu-em-alagoas/).

Para os três autores (Lenine Pinto, Rosana Mazaro e Manoel Neto), quando a esquadra cabralina cruzou o oceano Atlântico e chegou ao litoral brasileiro, não avistou o Monte Pascoal, em Porto Seguro, na Bahia, mas o Pico do Cabugi (o verdadeiro Monte Pascoal) na região central do Rio Grande do Norte. No Mando do Mar, Lenine Pinto argui que é possível a Ponta do Calcanhar seja confundida, pela sua localização, com o cabo de São Roque, “mas o Cabugi não tem nada a ver com o Monte Pascoal baiano”, que é, no dizer de Manoel Neto, “uma torre cortada, sem cone no vértice” Citando Duarte Leite, Lenine Pinto sinaliza que nos mapas antigos, “a Serra do Cabugi figura como Morro de São Vicente, encimado por um pico (mui alto e redondo, na expressão de Caminha) que se avista de Macau até a Ponta do Calcanhar (…)”. Lenine Ponto afirma que da expedição comandada por Cabral em diante, as escalas que os portugueses faziam na África foram suspensas e transferidas para a nova terra, que passou a ser um porto seguro, onde as caravelas e naus lusitanas, que faziam a Carreiras das Índias, poderiam ser reabastecidas. Geralmente essas paradas para reabastecimento ocorreram entre o litoral do Rio Grande do Norte e de Alagoas, nunca o território onde hoje é Porto Seguro, na Bahia.

Eram muitos e “poderiam estar em muitos os lugares” os portos seguros, como assevera Damião de Goes, na Crônica do Sereníssimo Príncipe D. João, ao dizer que o Brasil é terra “muito viçosa (…) e tem muitas e grandes ribeiras, e muito bons portos, e muitas fontes de muito boas águas”. Em Reinvenção do Descobrimento, Lenine Pinto expõe “que o porto seguro baiano nunca foi uma aguada permanente”, sem contar que, conforme ilustra Pedro Calmon, “àquela enseada não voltaram os portugueses senão muitos anos depois”. E conclui Lenine Pinto, citando bibliografia robusta, que na região de São Roque, no saliente potiguar, é possível  identificar “não apenas um, mas dois rios de aguada (…) e, entre estes dois rios, as barreiras vermelhas de que fala Caminha, estando assinalado ainda, na mesma paisagem, um monte de cimo pontiagudo logo abaixo da desembocadura de um rio de água doce, que será a foz do rio Açu, em Macau, por onde começa a ser descortinada a serra do Cabugi”.

Os padrões de posse portugueses eram, conforme Lenine Pinto, “modelados em pedra lioz, semelhantes em tamanho e formato”, com “relevos, esculpidos na mesma face, da cruz da Ordem de Cristo e das armas do Rei de Portugal”, como o que estava na Praia do Marco e que foi transferido, em 1969, para da Fortaleza dos Santos Reis. O padrão de posse chantado na Praia dos Marcos retorça a tese do descobrimento potiguar, pois como atesta Lenine, apresenta-se como prova simbólica e material da chegada de Cabral em solo brasileiro pelo Rio Grande do Norte. Mais, a “ponta extrema do litoral norte-rio-grandense recebeu no mapa de Cantino nome de batismo pelo orago de São Jorge, santo do dia do Descobrimento. Um outro marco, semelhante ao posto no litoral do nosso estado, foi enterrado em Cananeia, São Paulo”. O marco de Cananeia (SP) é igual ao de Touros, como pontua Manoel Neto: “Os padrões da Praia dos Marcos e de Cananeia são os dois únicos padrões de posse existentes”, ambos trazendo “a Cruz e as armas de D. Manuel, que era composta de cinco pequenos escudos em cruz (santor) com cinco besantes”.

As correntes marítimas empurravam as embarcações em direção ao Rio Grande do Norte, o que dificultava bastante a rota Europa-Bahia e facilitava, e muito, o acesso às praias potiguares apresentam-se como outro fator preponderante. No Mando do Mar, Lenine Pinto afiança, citando um estudioso, que o grupo encarregado da viagem de Cabral julgou ser possível, aproveitando os ventos alísios de nordeste, fazer a volta das calmarias da Guiné e chegar ao Brasil, sem atrasar a chegada à Índia. O itinerário foi “recomendado a Cabral nas Instruções de Vasco da Gama: ‘Façam o caminho direto à ilha de Santiago; e, se tiverem água em abastança para quatro meses, aí não escalem, demandando a ilha de S. Nicolau caso necessitem de água (…). Sigam o caminho ao Sul, e se tiverem de guinar que seja sobre a banda de Sudoeste. E tanto que lhes der o vento escasso, devem ir na volta do mar até meterem o Cabo da Boa Esperança em Leste franco…”. Isso explica parcialmente o motivo pelo qual Cabral veio direto de Lisboa até o cabo de São Roque, para cruzar o Cabo da Boa Esperança “numa só bordada”, manobra que já era executada, segundo o almirante e oceanógrafo Roberto Gama e Silva, para quem “os navegadores se adestravam para executar manobra idêntica”.

Há, ainda, o argumento mais evidente apontado pelos três autores acima citados, o da distância percorrida pela expedição comandada por Cabral após aportar no porto seguro, a saber, as duas mil milhas náuticas navegadas para fincar o segundo marco de posse, desta vez no litoral paulista e que corresponde exatamente a distância entre o Rio Grande do Norte e São Paulo. Se Cabral tivesse descoberto o Brasil na Bahia e lá tivesse posto o primeiro marco de posse, o segundo estaria, percorridas as duas mil milhas, fincado na Argentina, mais precisamente “em Comodoro Rivadávia, às portas da Patagônia argentina”, como assinala Manoel Neto, e não em São Paulo. Ademais, como já dissemos acima, ao marco de Cananeia, em São Paulo, é semelhante ao de Touros.

O tema é polêmico e exige pesquisas aprofundadas. Por ora, parece, as universidades não se interessam muito por ele.

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