Ouro branco do sertão

por Sérgio Trindade foi publicado em 22.maio.25

Lembro de em minha infância, passada em Florânia, ouvir muito e testemunhar, ainda que pouco, a riqueza branquinha trazida pelo algodão, brotada no solo árido, pedregoso, esturricado. Calor, vento e sol inclemente. Assim era o algodão do Seridó. Algodão mocó.

Imagem feita com auxílio de IA

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O sertanejo, de embornal, colhia o capulho, limpava folha, arrancava a semente com mãos calejadas e dedos rudes. Sobrava a alvura espessa, silenciosa. A plumagem que tingia de branco o horizonte. Socava com mão de pilão, guardava em paiol, longe do sol e da sede.

O mocó do Seridó, fibra longa e sedosa, resistente à seca e à má sorte, saiu, cruzou oceanos, chegou a preços altos, astronômicos e aportou na Inglaterra, berço da primeira revolução industrial. Quase sempre entregue ao próprio destino. Ainda assim, forte.

Longo, alvo, sedoso e resistente, foi premiado.v Ganhou prêmio em Nova Iorque. Garboso? Talvez.

De onde veio essa preciosidade? Pouco importava. A cotonicultura fincou-se no Seridó, no século XIX. Dividiu espaço com a pecuária, avançou, fincou raízes – e venceu. Enquanto pôde. Tempo de ouro. Branco. Impulsionado pela demanda internacional. E o sertão, antes só pedra e seca, virou lavoura. No Seridó, mais que negócio, cultura, costume, modo de vida, sustentando famílias e cidades – Caicó, Currais Novos e tantas outras. Indústria, comércio, trabalho, tudo movido pela planta que teimava em nascer onde nada mais vingava, como contou José Bezerra Gomes

E então veio o fim. Um bicho – danado e miúdo – dizimou um gigante. E os tempos ficaram bicudos pela bicuda presença do bicudo.

Plantações arrasadas. O ouro branco do Seridó, o mocó, esgotado. Ruína, falência e quase esquecimento – sobrando uma nesga de memória, a lembrança do tempo em que o branco do capulho cortava o cinza da paisagem seca.

O algodão resistiu enquanto pôde. E sua resistência garantiu a resistência do homem que o colhia. Ambos resistência, numa sinergia que sustentou todo um tempo, até morrerem juntos e engolirem o tempo que os cevou.

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