Zé Leão e a Flores do mata-e-queima (1)

por Sérgio Trindade foi publicado em 04.out.23

Cresci, em Florânia, ouvindo a história da morte de Zé Leão. E sempre que para lá voltava, novas histórias me eram contadas, avivando ainda mais a minha curiosidade até que, em setembro de 2020, deparei-me com o texto Flores, as tragédias de Zé Leão e João Porfírio (https://putegi.blogspot.com/2014/12/flores-as-tragedias-de-ze-leao-e-joao.html), de João Felipe da Trindade, primo de meu pai e estudioso de genealogia, e resolvi fuçar arquivos, sites e livros em busca do homem que virou mito.

Segunda-feira última (02/10), passei uma boa hora na casa de Josimar Tavares ouvindo os seus relatos sobre Zé Leão, quais são e onde estão as fontes escritas nas quais é possível buscar detalhes e aqueles que constituíram repositório da memória de Florânia como fontes orais importantes sobre este e sobre outros acontecimentos do município. No dia anterior, estive na capela de Zé Leão, erguida no local onde ocorreu o assassinato. A capela, com problemas em sua estrutura, precisa de reparos, porque é um sítio carregado de sentido mítico e místico e porque no seu chão ocorreu evento com profundo significado histórico no processo de formação da identidade do município

O meu interesse pelo assunto é menos pelo mito e mais pelo homem, ainda que seja difícil separar as duas partes.

José de Souza Leão, que a história trata como Zé Leão, foi um jovem brutalmente assassinado em Flores (atualmente Florânia), localizado no sertão do Seridó, a aproximadamente 220 km de Natal. Flores era à época distrito do termo de Acari.

Pouco se sabe sobre a vida de Zé Leão. E o pouco que se sabe refere-se à emboscada que resultou na sua morte, em 1877, fruto da tradição oral e alguma coisa exposta por periódicos do século XIX, como o Jornal do Recife, Jornal da Tarde, Gazeta de Natal e A República, que dão detalhes sobre a morte de Zé Leão, ocorrida, como dito acima, em 1877, e de duas das filhas de José Porfírio, o seu principal algoz, em 1889.

Quem matou? Por quê? Como ocorreu o crime?

São perguntas sem respostas satisfatórias e que, por isso, seguem gerando polêmicas, pois há quem associe a morte violenta de Zé Leão à disputa por terras, porquanto o episódio ter ocorrido num contexto de luta por terras e pastos, quando o sertão nordestino era assolado por umas das maiores e mais marcantes secas registradas, a de 1877. Há, porém, quem refute a hipótese da luta por terras e indique o acontecimento como crime passional, porquanto a vítima ser apontada como homem bonito e vistoso e dono de uma bela montaria, naquele tempo símbolo de status, e requestado pelas mais belas mulheres. Ademais, dada a natureza violenta do crime, bárbaro e cruel, propagou a imagem do martírio e induziu parcela dos sertanejos à piedade, difundindo o evento pelo campo devocional.

Zé Leão nunca foi inteiramente esquecido. A capela está lá para lembrar a todos que o passado está sempre rondando o presente e que o homem histórico vive como um mártir construído a partir de uma trama com ar mítico, mas que exprime uma realidade muito terrena, a da luta por espaço em um meio social rude e rústico, quando as diferenças eram resolvidas pelo confronto físico.

Este é o primeiro dos textos sobre o assunto.

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