Genocídio, a origem do termo
Sou, desde o início da adolescência, fascinado por alguns assuntos de história.
Coronelismo e cangaço, segunda guerra mundial, grandes navegações, regime militar de 1964 e era Vargas estão na prateleira de cima de meus interesses.
Ando metido, nos últimos dias, com leituras sobre segunda guerra mundial, notadamente sobre o holocausto. E foi justamente folheando um pequeno texto sobre o assunto que me deparei com a cunhagem do termo genocídio, usado fartamente no Brasil dos anos 1920-1921, no rastro da pandemia de Covid.
Corriam os anos de 1945-1947, os aliados estavam julgando os criminosos de guerra nazistas e Raphael Lemkin andava pelos corredores do tribunal de Nuremberg tentando fervorosamente fazer genocídio ser reconhecido como uma nova categoria de crime internacional.
Lemkin era um ativo advogado judeu nascido na Polônia e que passou anos refugiado.
Desde 1933, ele tentava advertir a todos de que Adolph Hitler falava sério quando ameaçava exterminar uma raça inteira.
Mais de uma década depois do início de sua pregação e quando os nazistas foram impiedosamente derrotados, Lemkin abordava qualquer pessoa no tribunal de Nuremberg para contar sua história pessoal (sua família havia sido destruída pelos nazistas) e dizia insistentemente: “Judeus foram mortos só por serem judeus”. Invariavelmente solicitava ao interlocutor que encampasse a luta dele para que o genocídio fosse reconhecido como crime especial.
Benjamin Ferencz, jovem advogado nascido na Transilvânia, formado em Harvard e um dos promotores nos julgamentos de Nuremberg (falecido recentemente, em 1920, com mais de cem anos de idade), comprou a ideia e incluiu deliberadamente o termo em suas declarações iniciais, definindo genocídio como “o extermínio de categorias inteiras de seres humanos”.
O juiz do caso no qual trabalhava o promotor Ferencz era Michael Musmanno, magistrado na Pensilvânia. Ele logo percebeu que as peças de Ferencz não estavam abastecidas apenas com figuras de linguagem, mas com uma maçaroca monumental de dados que descreviam uma realidade dura, o mortínio perpetrado pelos nazistas nos doze anos que estiveram no comando da Alemanha e de grande parte do continente europeu.
Entre os réus estava Otto Ohlendorf, responsável pai de família, formado em Direito e em Economia, com doutorado em Jurisprudência. Ohlendorf foi comandante do Einsatzgruppe D, um dos mais eficientes e afamados destacamentos de matança pré-câmaras de gás.
Promotor e juiz encurralaram Ohlendorf, um dos mais instruídos carrascos nazistas, a tal ponto que só restava ao assassino esquivar-se e dizer num murmúrio não estar “em condições de responder às questões”.
O general Taylor, chefe da equipe à qual Ferencz pertencia, fez a declaração final, ressaltando que os réus eram os líderes dos “homens com o dedo no gatilho do gigantesco programa de matança”, e que o processo demonstrava com clarividência “o genocídio e outros crimes de guerra e contra a humanidade apontados na acusação formal”. Daí por diante, todos os julgamentos subsequentes em Nuremberg, nos quais Taylor esteve, passaram a ter o novo termo genocídio nas peças acusatórias.
Católico fervoroso, o juiz Musmanno nunca condenara ninguém à morte. E perturbado com a possibilidade de que viesse a fazê-lo naquele julgamento histórico, isolou-se num mosteiro próximo e reapareceu para pronunciar o veredicto que condenou 13 dos réus à pena máxima e os demais (nove) a penas que variavam de 10 anos à prisão perpétua. Algumas das penas foram revistas posteriormente, quase todas reduzidas.
Ferencz disse, anos mais tarde, que teve à sua disposição três mil membros dos Einsatzgruppen, que mataram centenas de milhares de judeus e ciganos diariamente. Somente 22 foram condenados. Destes, treze à morte, dos quais somente quatro foram executados. Alguns foram libertados anos depois. O restante, ou seja, bem mais de 2.900 nunca foram admoestados, mesmo “que tenham cometido assassinato em massa durante todos os dias da guerra”.