Espírito público e republicano

por Sérgio Trindade foi publicado em 15.ago.20

O texto abaixo, cujo título foi dado pelo próprio autor, é do professor de Filosofia do campus Natal Zona Norte do IFRN, Luiz Roberto e foi enviado como uma resposta ao meu texto “Espírito público”.

Caro Trinity,

Gostaria de manifestar, por estas chatas e mal escritas linhas, algumas reflexões e, talvez, pequenas interjeições e questões ao seu texto intitulado Espírito Público, onde, de forma muito clara, objetiva, sagaz e bem humorada, como lhe é de costume, vosmicê aponta suas angústias, nossas angústias e, porque não dizer, as angústias de uma boa parcela da comunidade ifeerriana nos tempos que se passam. Ademais disso, vosmicê indicou caminhos, bons caminhos, a serem percorridos.

Fugindo rapidamente do que apontei no parágrafo anterior, devo deixar claro que me honra muito podermos exercer cotidianamente, e porque não dizer, quase diariamente, a tolerância nas ideias, no discurso e nas ações. Visto que, desde idos de março, quando da nossa inserção por motivos maiores no espírito pandêmico que tomou o mundo, eu, e, o senhor, temos conversado rotineiramente, por meios eletrônicos, sobre uma gama variada de assuntos: doença, Estado, política, família, convivência, insanidade e, provavelmente, com mais força, de abril para cá, sobre a realidade que insiste em se desdobrar sobre o IFRN. Concordamos muitas vezes em nossas discussões. Temos leves desacordos em algumas outras questões. E, a meu ver, discordâncias amplas, porém extremamente respeitosas e tolerantes em questões mais centrais. Estas últimas, em momento algum tem se refletido em dissabores, falta de respeito ao que o outro pensa, ou quiçá, em inimizade.

Na minha humilde opinião, este exercício de tolerância representa uma das coisas que falta à nossa instituição nestes confusos tempos atuais. Pretendo voltar a este assunto mais à frente.

Mas, indo novamente ao tema inicial, é importante mencionar que vosmicê se utilizou de um ferramentário conceitual difícil de ser contestado, para dizer o mínimo. Chego até a me acovardar quando vejo Aristóteles, o florentino Maquiavel e Weber servindo de respaldo teórico para um texto como o exposto na ocasião. Haja vista que dizer alguma coisa, seja tentando adicionar, ou contestar, tais pensadores, ou a forma como estão sendo utilizados é temerário e até desnecessário.

Tendo posto isso, advirto-o de que não cairei nesta cilada. Tenho certo apreço por arengas, mas não tenho vocação para boneco de judas.

Nesse sentido, meu amigo, mesmo concordando em gênero, número e grau com a utilização dos autores utilizados por vosmicê, bem como também e, principalmente, com a ideia apontada de negação da política, existente na instituição IFRN hoje, principalmente no que se refere a certos personagens centrais, tenho certa dificuldade em aceitar determinadas ponderações, as quais, a meu ver, não deveriam estar alicerçadas no campo teórico, mas deveriam ter seu firmamento no substrato telúrico das questões estabelecidas por vosmicê. Dito em português claro, são os fatos, meu caro! Estes agentes do mundo real que têm por principal característica a teimosia e que não ligam para os nossos sentimentos. É sobre eles que desdobro à minha conveniência, evidentemente.

Eis que tento mencioná-los da forma que me ocorrem:

  • Temos um reitor pro tempore, ou interventor, como muitos dizem.
  • Este, o reitor, tem demonstrado certa inaptidão política, como apontado por vosmicê, provavelmente por ter sido colocado em um cargo para o qual ainda não estava preparado.
  • Estamos caminhando a passos largos para cinco meses sem aulas, por conta da pandemia.
  • A instituição está política e administrativamente dividida.
  • Vivemos inescapável falta de consenso institucional.
  • Foi aberta uma sindicância, ou PAD, não sei ao certo, contra o reitor eleito – José Arnóbio – salvo engano, em janeiro. Alguém abriu o tal processo motivado por um fato do mundo real e, talvez, também, por um fato (ou desejo) político.
  • Esta última questão está se desenrolando no ambiente jurídico, portanto, foge do nosso controle.
  • Nós – servidores – trabalhamos para a instituição, logo, para os pagadores de impostos, ou seja, toda a sociedade.
  • Não trabalhamos para este ou aquele reitor, ou gestor, especificamente falando. Estes, os gestores, gerenciam a instituição.
  • As pessoas, principalmente certos grupos bastante barulhentos, estão atacando outras pessoas, não as ações, nem as ideias, inclusive por meio de ameaças.
  • Aparentemente temos duas gestões, uma da reitoria, outra dos DG´s, o que tem-se demonstrado um tanto ou quanto deletério.
  • Vários grupos se dão ao direito legítimo de fazer resistência à ação do MEC (Sempre vale ressaltar que a referida resistência está sendo feita com dinheiro público).

Resta-nos ainda algumas perguntas, que permeiam insistentemente os fatos mencionados:

  • Se não fosse indicado, como reitor pro-tempore/interventor, o monsieur Josué, tal fardo não poderia recair sobre um outro indivíduo, inclusive também podendo tal indivíduo ser externo à instituição?
  • Se a resposta for positiva, como imagino, continuaríamos atacando as pessoas, como estamos fazendo, ou iríamos tratar de questões mais urgentes, e esperaríamos para resolver o problema causador da tensão atual na instância devida, qual seja, na justiça?
  • É salutar misturarmos o assunto da pro-temporalidade, ou intervenção, às questões fundamentais, de volta às aulas, ou isso só aumenta o chafurdo, nos levando para um lodaçal de problemas?
  • Continuaremos achando que faz parte do jogo defender a democracia atacando as pessoas em sua personalidade, e não em suas ações, praticando os famosos assassinatos de reputação?

Como vosmicê pode imaginar, sem esforço algum, tenho muitas outras indagações, não expostas aqui, por lerdeza mental de minha parte.

Mas voltando a um ponto nevrálgico, apontado por minha incapaz pessoa no início, acerca da prática da tolerância, não a das ideias, mas sim aquela que urge ser atualizada constantemente em nossa realidade diária, é possível resolvermos nossos imbróglios pensando em termos de pessoas específicas, ou, o contrário, de práticas coletivas, estendidas a todos? Fico imaginando que estamos nas raias de um processo de histeria coletiva, onde o bom senso e a prudência são escassos. Sofremos demasiadamente por problemas, reais ou não, para os quais temos limitada capacidade de ação no que se refere a equacioná-los.

Pior que isso! Muito pior! Fazemos os outros sofrerem conosco, como se isto fosse necessariamente um pathos da e para a sociedade. Neste ensejo, levamos o nosso pseudo, ou real, sofrimento àqueles os quais apenas deveríamos estar instruindo nos caminhos da vida, nossos estimados alunos. Aqueles para os quais, reforço, deveríamos trazer apenas luz.

Nesta toada, amigo, acredito que o buraco é muito mais embaixo do que conseguimos visualizar. Falta-nos, no momento, honra, responsabilidade e o famoso espírito republicano. Falamos tanto em tradição institucional de qualidade, em história, e ironicamente, talvez, estejamos a louvar esta tradição de uma forma que sugere estranhamento, que pode nos levar a histórica vitória de Pirro, onde todos perdem.

Daí, de que valerá a falar em tradição institucional?

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