O enclave de Conclave
Fui assistir sábado (08/02) Conclave, um dos favoritos ao Oscar de melhor filme e que tem Ralph Fiennes como forte candidato ao Oscar de melhor ator, no papel do cardeal Thomas Lawrence.
As informações – todas genéricas, para evitar spoiler – que peguei antes e ir ao cinema, indicavam a película como suspense e, pelo título, pensei tratar-se de um filme sobre religião.
Não é suspense, não é religião.
Conclave transita por uma disputa no seio da Igreja, com o Colégio de Cardeais, órgão encarregado de escolher o Papa, enredado numa pendenga ideológica e política na qual liberais e conservadores (são os termos utilizados no filme, e não progressistas e tradicionalistas, como seria de esperar) estão no centro de um debate profundo como um prato raso.
Ali não há espaço para o Espírito Santo, maltratado do início ao fim do filme.
Está claro que os liberais (progressistas) são os preferidos por quem produz/dirige o filme, daí o destaque dado ao cardeal Thomas Lawrence, representante de maior relevo da ala, enquanto os estereótipos dão o tom aos conservadores (tradicionalistas).
No início da trama, o cardeal Thomas Lawrence já mostra as suas credenciais liberais (progressistas), dizendo ser a certeza “a grande inimiga da unidade” e conclamando para que “Deus nos conceda um Papa que duvide”.
É a Igreja envergando, por meio de um dos líderes do colégio cardinalício, o maior naquela momento, as vestes de René Descartes, o filósofo francês que deu uma das bases do edifício da ciência moderna. Mas Lawrence é um Descartes caolho, pois prescreve a dúvida quanto às teses conservadoras (tradicionalistas) e certezas para as teses liberais (progressistas). Sua dúvida, portanto, nada tem, do ponto de vista cartesiano, de metódica.
O filme trilhava só as duas vias até o surgimento do cardeal Benitez, nomeado em segredo (in pectore) pelo finado Papa, funcionando, era o que parecia, como instrumento do Espírito Santo. A sua oração antes de uma refeição indicava que a trama iria para além das questiúnculas pendulares entre as duas correntes dominantes. Prenunciava um terceiro caminho, uma trilha que conduziria o conclave e a Igreja a um retorno ao mundo espiritual, à simplicidade, à caridade, transcendendo os limitados traçados ideológicos até então em disputa. O caminho, porém, era só aparência. Ele não exista na realidade ali esboçada.
Eleito e adotando o nome de Inocêncio, o segredo de Benitez vem à tona, mostrando que o conclave fôra conduzido pelo Papa morto, o qual arquitetou sua sucessão para dar continuidade ao progressismo do qual era dedicado militante.
No plano urdido pelo falecido Papa, Benítez, que é uma mulher (um dia houve – lenda ou realidade? – uma Papisa sentada no trono de São Pedro), representaria a cereja no bolo, como demonstra o seu discurso antes da eleição: “A Igreja não é tradição. A Igreja não é o passado. A Igreja é o que faremos a partir de agora”.
A ascensão de Benitez ao papado não poderia ser inspirada pelo Espírito Santo por uma questão que salta aos olhos: estava escorada numa mentira. Ele, pelas regras da Igreja, nem poderia ter sido ordenado sacerdote e sabia disso. Se chegou até ali foi porque mentiu e se mentiu não poderia estar ungido pelo Espírito Santo.
Nas minhas aulas de catecismo em Florânia, quando me preparava para fazer uma primeira comunhão que jamais fiz, aprendi que a mentira não era coisa de Deus, mas do seu inimigo. Do Diabo, do Demônio, do Tinhoso, do Bode… E como a Igreja é, a despeito do que disse o cardeal Benitez no seu discurso, o corpo de Cristo, dela está distante o inimigo de Deus, o pai da mentira. Logo, a mentira não teria espaço ali; e Benitez, que escondeu sua condição de mulher, não poderia ocupar o trono de São Pedro.
Se um mentiroso sentou no trono de São Pedro for por uma razão muito simples: Cristo não se fez presente. É o entendimento deste pobre cristão católico não praticante.