Papa sem papas (Mas nem tanto)
O texto é do amigo e colega Luiz Roberto, professor de Filosofia. Como sempre, Luiz procura – e acha – a polêmica. Ela gosta dele e o gostar é recíproco.
***
Tem alguns assuntos martelando na minha cabeça nos últimos dias. Mas um, especificamente, tem ganhado um pouco mais minha atenção. Os rompantes incendiários ocorridos no Chile há alguns dias.
A meu ver, o tema é extremamente interessante, bem como, em igual medida, polêmico.
Como, em geral, junto com as rosas vem os espinhos, penso que a relevância sobrepuja a possibilidade de polêmica deste assunto, ainda que nos arranhemos um pouquinho.
A maior parte das pessoas acompanhou as notícias sobre os ataques aos templos católicos no Chile. A questão é que adoro estudar o tema da fé, da religião e, especificamente, sobre a religiosidade judaico-cristã, uma das bases da cultura ocidental. Logo, tudo que se relaciona à fé, e adjacências, interessa-me.
Entretanto, mesmo diante de todo este entusiasmo pela temática religiosa, sou um descrente. E o pior, sou um descrente fracassado. Exatamente, por conta deste fracasso, não faço proselitismo do ateísmo. Já fiz durante muito tempo. Mas os anos me mostraram que estava, para dizer o mínimo, equivocado.
Tenho a percepção que o ateísmo é uma posição que beira a estupidez. Não nos proporciona o conforto anímico do dia-a-dia. Deixa-nos sem norte. E o pior, faz-nos, em muitos casos, pensar que somos seres demiúrgicos, quase divindades. E que, por isso mesmo, poderíamos buscar a perfeição neste mundo.
Se dependesse de escolha, eu certamente escolheria ter fé. É uma posição muito mais inteligente, em se tratando de equilíbrio e sanidade mental para os indivíduos.
Por tudo isso, sou daqueles que defendem o direito de as pessoas professarem seus credos. Mais que isso, hoje em dia, posso dizer, tenho uma inveja saudável das pessoas que têm fé.
Mas voltemos ao carvão proveniente das igrejas chilenas, afinal foi isso que nos motivou a escrever e é isso que deve nos conduzir.
O atentado aos templos foi o que menos me assustou. Não que pense que a destruição seja justificada. O que mais despertou meu interesse foi a reação institucional do Sumo Pontífice, ou seja, o Papa. Na realidade, quero falar é sobre a não reação dele.
Nunca achei que chegaria a ver um Papa, como o atual, Papa Francisco, emudecer totalmente, tosca e tolamente frente ao acinte que foi o ataque às igrejas chilenas.
Não! Não queria que ele, o Papa titular, não o emérito, condenasse, excomungasse aqueles que incendiaram as igrejas. Isso nunca passou pela minha mente. Pois só tocaria fogo nos ânimos das pessoas (desculpem-me a piada – de mau gosto).
Bastaria para todos, fiéis e infiéis, que ele emitisse uma nota, verborragicamente humilde, como um bom franciscano, mostrando sua indignação, como sumo pontífice, contra os atos ímpios. Quiçá, para arrefecer os espíritos beligerantes, dizendo que iria rezar pela salvação da alma de cada um dos piromaníacos chilenos. Essa seria uma mensagem forte, e de união. Nunca de cizânia.
Mas, estou a esperar, e só ouço o barulho do silêncio proveniente do Vaticano, quando o assunto é a sacralidade dos templos.
Contudo, mas não sem surpresa, quando o assunto são as coisas seculares, mundanas, aí não. Aí ouvimos posicionamentos estapafúrdicos provenientes da península itálica. Ouvi o Papa emitir opinião sobre a Amazônia, como se um político fosse, ou um ambientalista dos mais aguerridos. Ouvi o Papa nos presentear com opiniões contrárias ao capitalismo, como se entendesse tudo de desigualdade social e geração de riqueza, ou ainda, estivesse no limiar de receber um Nobel de Economia. E ouvi, mais recentemente, ele emitir opinião a favor da união civil de casais homossexuais, como se fosse um militante destas causas, dos mais empedernidos.
Pera lá, pera lá! Mas, e o sagrado, senhor Bergoglio?
Aquilo que lhe é alheio e secular sempre ganha a sua atenção e as suas palavras. E aquilo que deveria lhe ser mais afim? Não que transformar, ou não, templos cristãos em cinzas, seja objeto direto da doutrina da Igreja, mas a sacralidade destes templos é-lhe bastante afim.
Quero deixar bem claro que defendo até a morte o direito de Jorge Bergoglio ter opinião sobre o que bem entender nesta vida. Mas, como Papa, ao emitir determinadas opiniões, ele faz política ideológica. E a fé cristã, até onde sei, não deve se alinhar a ‘militontismo’ político algum. O fulcro da fé é a doutrinação e a salvação dos crentes.
É claro também, que as opiniões papais não são os famosos pronunciamentos ex-catedra, a saber, os dogmas. Seria um mundo surreal esperar que a infalibilidade papal fosse utilizada para pronunciamentos de ordem secular.
Olhem! Em 2016 o Papa negou-se a visitar o Brasil por conta do processo do impeachment ocorrido naquele ano, sofrido pela então presidente Dilma Rousseff. Ou seja, até a política interna de outros Estados Democráticos são da conta do Papa. Ele, possivelmente, deixou de visitar seus fiéis porque não estava feliz com a política interna do Brasil. Que horror! Novamente, nunca será demasiado mencionar que o Brasil era, e continua sendo, um Estado Democrático de Direito.
Tudo isso me leva a considerar a felicidade dos tempos atuais, a despeito ou não dos posicionamentos papais, quando percebemos que a fé das pessoas não precisa estar mais diretamente arrolada ao clérigo, pois a fé independe de quem a prega, propaga-a ou professa-a. Isso é simplesmente maravilhoso.
Sentire cum Ecclesia! É este o sentimento que deve circundar a cristandade. Sentir o que a alma tem de mais profundo. Esse não é um sentimento dos sentidos, não é físico. Portanto, é a religião em seu sentido mais estrito, o religare com Cristo, o qual, só a fé proporciona.
Em última análise, independe das excrescências ideopatas do senhor Jorge Bergoglio.