Popper e o falseacionismo (1)
Sou, desde que fazia o curso de Ciências Econômicas, há quase quatro décadas, leitor do filósofo austríaco Karl Raimund Popper, nascido no início do século passado, em Viena, e falecido em 1994, em Londres.
Vivendo num período no qual ocorreu, na esteira da primeira guerra mundial, o colapso do Império Austro-Húngaro, Karl Popper cresceu em meio a um movimento que pretendia, no meio cultural, elaborar uma forte e sofisticada filosofia para contrabalançar a desintegração política. Sigmund Freud, o grupo de positivistas que dominavam o Círculo de Viena e os marxistas preconizavam hipóteses de valor significativo e isso atraía a atenção do jovem vienense nascido no início do século XX. No entanto, foi Albert Einstein, o gênio maior do século, quem mais entusiasmou Popper a se interessar pela ciência, notadamente pela Física, pois, segundo o austríaco, era possível refutar, depois de testá-las, as ideias de Einstein, coisa impossível de ocorrer com Marx e Freud, por exemplo.
A filosofia popperiana nasceu da busca pela formulação de uma metodologia científica que suplantasse as debilidades da indução, até então tida como o método puro e fidedigno a ser utilizado na ciência.
Segundo o método indutivo, a aceitação de teorias científicas seria fundamentada com base em determinado número de observações particulares. Para Popper, porém, não é possível observações individuais justificarem a aceitação de teorias científicas, porquanto aceitar teorias com base em observações particulares, mesmo que o número de observações seja estupidamente alto, seria ir além do que se sabe.
As teorias podem sempre ser falseadas (serem provadas falsas), já que uma única observação pode contrariar o enunciado universal afirmado pela teoria. Uma única observação particular que negue todas as observações particulares anteriores é o preceito dedutivo utilizado por Popper em sua ideia de falseacionismo, pois permite a negação de um enunciado baseado na negação de outro. Tal transformação dedutiva permite, por meio do recurso a inferências puramente dedutivas, concluir acerca da falsidade de enunciados universais a partir da verdade de enunciados singulares, destacando o que é verdadeiro e se é possível demonstrar a lógica ou fases empíricas acerca da conclusão da falsidade dos enunciados universais como a única espécie de inferência estritamente dedutiva que atua, por assim dizer, em direção indutiva.
A função de uma teoria falseada é demonstrar como o mundo não é, forçando àqueles que a utilizam a procurar outra teoria que supere as dificuldades da anterior, tendo em vista toda teorização carregar consigo a falibilidade, tornando inequívoca não a fraqueza da teoria, mas a possibilidade de testá-la em confronto com a realidade.
Vem daí a concepção de que o método científico traz consigo a necessidade permanente de justificação lógica de tudo o que é afirmado sobre algo, porquanto todo conhecimento expor o problema sobre se o enunciado corresponde, ou não, à realidade.
Qualquer ideia cuja refutação seja inconcebível não é científica, pois o método científico exige que ele seja acessível às críticas, não sendo o conhecimento, portanto, questão de convicção pessoal ou estar calcado na crença/fé, tampouco numa teoria irrefutável estabelecida por um gênio intuitivo, não importa o quão brilhante seja.
O conhecimento só é qualificado como científico se estiver aberto ao exame e ao risco da refutação pelos mais intransigentes e inflexíveis críticos, não sendo a refutação evidência de fraqueza da teoria, mas a possibilidade de garantir o seu contato com a realidade e, se validada, o seu fortalecimento.
Vem daí a crítica feita por Popper às formulações marxianas e freudianas, mesmo reconhecendo a atração, nascida do diagnóstico e da crítica engenhosamente formulados, exercida por elas junto aos leitores. Popper alegava que as formulações de Marx e de Freud eram não-científicas por sua incapacidade sistemática de imaginar e fornecer as circunstâncias sob as quais suas ideias poderiam ser consideradas falaciosas (voltarei a este assunto no texto seguinte), pois nega o princípio da boa-fé dos cientistas (e portanto da ciência), que é a de procurar as mais rigorosas formas possíveis de falsear suas hipóteses, isto é, de detectar as falhas em seu próprio trabalho.