Popper e o falseacionismo (1)

por Sérgio Trindade foi publicado em 07.set.23

Sou, desde que fazia o curso de Ciências Econômicas, há quase quatro décadas, leitor do filósofo austríaco Karl Raimund Popper, nascido no início do século passado, em Viena, e falecido em 1994, em Londres.

Vivendo num período no qual ocorreu, na esteira da primeira guerra mundial, o colapso do Império Austro-Húngaro, Karl Popper cresceu em meio a um movimento que pretendia, no meio cultural, elaborar uma forte e sofisticada filosofia para contrabalançar a desintegração política. Sigmund Freud, o grupo de positivistas que dominavam o Círculo de Viena e os marxistas preconizavam hipóteses de valor significativo e isso atraía a atenção do jovem vienense nascido no início do século XX. No entanto, foi Albert Einstein, o gênio maior do século, quem mais entusiasmou Popper a se interessar pela ciência, notadamente pela Física, pois, segundo o austríaco, era possível refutar, depois de testá-las, as ideias de Einstein, coisa impossível de ocorrer com Marx e Freud, por exemplo.

A filosofia popperiana nasceu da busca pela formulação de uma metodologia científica que suplantasse as debilidades da indução, até então tida como o método puro e fidedigno a ser utilizado na ciência.

Segundo o método indutivo, a aceitação de teorias científicas seria fundamentada com base em determinado número de observações particulares. Para Popper, porém, não é possível observações individuais justificarem a aceitação de teorias científicas, porquanto aceitar teorias com base em observações particulares, mesmo que o número de observações seja estupidamente alto, seria ir além do que se sabe.

As teorias podem sempre ser falseadas (serem provadas falsas), já que uma única observação pode contrariar o enunciado universal afirmado pela teoria. Uma única observação particular que negue todas as observações particulares anteriores é o preceito dedutivo utilizado por Popper em sua ideia de falseacionismo, pois permite a negação de um enunciado baseado na negação de outro. Tal transformação dedutiva permite, por meio do recurso a inferências puramente dedutivas, concluir acerca da falsidade de enunciados universais a partir da verdade de enunciados singulares, destacando o que é verdadeiro e se é possível demonstrar a lógica ou fases empíricas acerca da conclusão da falsidade dos enunciados universais como a única espécie de inferência estritamente dedutiva que atua, por assim dizer, em direção indutiva.

A função de uma teoria falseada é demonstrar como o mundo não é, forçando àqueles que a utilizam a procurar outra teoria que supere as dificuldades da anterior, tendo em vista toda teorização carregar consigo a falibilidade, tornando inequívoca não a fraqueza da teoria, mas a possibilidade de testá-la em confronto com a realidade.

Vem daí a concepção de que o método científico traz consigo a necessidade permanente de justificação lógica de tudo o que é afirmado sobre algo, porquanto todo conhecimento expor o problema sobre se o enunciado corresponde, ou não, à realidade.

Qualquer ideia cuja refutação seja inconcebível não é científica, pois o método científico exige que ele seja acessível às críticas, não sendo o conhecimento, portanto, questão de convicção pessoal ou estar calcado na crença/fé, tampouco numa teoria irrefutável estabelecida por um gênio intuitivo, não importa o quão brilhante seja.

O conhecimento só é qualificado como científico se estiver aberto ao exame e ao risco da refutação pelos mais intransigentes e inflexíveis críticos, não sendo a refutação evidência de fraqueza da teoria, mas a possibilidade de garantir o seu contato com a realidade e, se validada, o seu fortalecimento.

Vem daí a crítica feita por Popper às formulações marxianas e freudianas, mesmo reconhecendo a atração, nascida do diagnóstico e da crítica engenhosamente formulados, exercida por elas junto aos leitores. Popper alegava que as formulações de Marx e de Freud eram não-científicas por sua incapacidade sistemática de imaginar e fornecer as circunstâncias sob as quais suas ideias poderiam ser consideradas falaciosas (voltarei a este assunto no texto seguinte), pois nega o princípio da boa-fé dos cientistas (e portanto da ciência), que é a de procurar as mais rigorosas formas possíveis de falsear suas hipóteses, isto é, de detectar as falhas em seu próprio trabalho.

posts relacionados
Logo do blog 'a história em detalhes'
por Sérgio Trindade
logo da agencia web escolar