A Revolta de Atlas e a ética aristocrática de Ayn Rand
Conhecida pelo seu realismo ético objetivo, a filósofa Ayn Rand, nascida em São Petersburgo, Rússia Czarista, em 1905, presenteou-nos, n’A Revolta de Atlas, publicado originalmente em 1957, com uma bela descrição da ética aristocrática das virtudes.
Aristocracia [areté (força) + cracia (governo)], adiantemos, significa governo dos virtuosos e inicialmente o termo era utilizado para descrever sociedades hierarquizadas pelo nascimento, mas logo, ainda com Platão e Aristóteles, tornou-se governo dos melhores, sendo os melhores (virtuosos).
A Revolta de Atlas é uma distopia que descreve um mundo dominado por mentalidade coletivista, na qual estão presentes um mundo de gente preocupada com o “coletivo e a igualdade.” A história se passa nuns Estados Unidos onde uma grande quantidade de industriais bem-sucedidos resolve abandonar suas fortunas e a própria nação em resposta às agressivas regulações do Governo. Fábricas são destruídas pela ferrugem, estradas em situação precária são tomadas pelo mato, lojas em locais muito movimentados são fechadas e há um claro retrocesso nos padrões civilizacionais. Tudo isso fruto do desleixo e da preguiça que tomaram conta de todos, notadamente de empresários cansados da excessiva regulação do governo, o qual taxa excessivamente empresas e cidadãos produtivos.
Para Ayn Rand, uma pessoa virtuosa constrói relações concretas abundantes, úteis e produtivas capazes de gerar ganhos materiais para todos. Atlas representa todos aqueles que carregaram e carregam o mundo nas costas, afinal a maior parte da humanidade sempre viveu às custas de uma minoria mais capaz e mais inventiva.
Ayn Rand acerta – e muito – quando mostra uma sociedade, em A Revolta de Atlas, que só fala sobre o bem comum e “na igualdade entre as pessoas” em oposição às diferenças naturais de virtude entre elas. Quando propõe acabar com as injustiças sociais, o mundo descrito pela filósofa russa destrói a produtividade e, por tabela, tudo o que está de pé e permitiu a construção de todo edifício civilizatório ocidental.
Alguns trechos do livro são capazes de produzir asco em qualquer um que sofra na vida real a mentira dos soldados e capachos amantes do igualitarismo coletivista: “Só se pode desarmar um homem por meio da culpa. Por intermédio daquilo que ele mesmo aceita como culpa. Se ensinamos a um homem que é errado olhar para as flores e ele acredita em nós e depois olha para as flores, podemos fazer o que quisermos com ele. Ele não vai se defender. Vai achar que é bem-feito. Não vai lutar. Mas o perigo é o homem que obedece a seus próprios padrões morais. Cuidado com o homem de consciência limpa. É esse que vai nos derrotar”.
Há quem aponte o dedo acusador para Rand dizendo-a fascista, quando nada há no pensamento dela que sustente tal marca. Ela apenas anteviu que, ao longo do século XX e no primeiro quartel do XXI, a sociedade se preparava para desvalorizar e mesmo maldizer aqueles responsáveis pelo aumento da produtividade e, portanto, da melhoria do bem-estar (não significa eliminação total da pobreza) da maioria dos que viviam inteiramente excluídos. Em passagem emblemática, a escritora diz: “Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.”
Entretanto, é necessário observar que a obra carrega traços fortes de maniqueísmo e mesmo de alguma falta de apuro e de sofisticação, com uma galeria de estereótipos muito nítidos e até grosseiros, expondo o socialismo/coletivismo com representações caricaturais: de um lado, as pessoas de ação, racionais e aplicadas; do outro, os medíocres, indolentes e preguiçosos. Estes vivem frivolamente, gastam grande parte de seu tempo em reuniões desnecessárias e mesmo inúteis, são ociosos, oportunistas e interesseiros, dissimulados e covardes; aqueles, leais, inteligentes e inventivos. Por isso, ela é vista por estudiosos da política e da cultura quase que somente como uma conservadora radical e serva do capitalismo e dos valores burgueses.