Cretinos juramentados

por Sérgio Trindade foi publicado em 15.jan.25

Nada mais estúpido do que o fanático político. Admito-o no futebol, na paixão clubística, afinal ali estamos para torcer, não para analisar. Na política, não. Nunca! Afinal, na política estamos todos para decidir os rumos da vida de todos, inclusive dos que se recusam a decidir suas vidas.

É do embate entre interesses que se realizam acordos e consensos que permitem, na política, a construção do mundo possível. Por isso, nenhum de nós está livre da vida pública, mesmo que não exerçamos funções públicas.

N’A Política, Aristóteles estabelece seis formas de governo. Três que ele chama de justas (monarquia, aristocracia e politeia) e três corrompidas (tirania, oligarquia e democracia). As corrompidas são degenerações das justas. Aquelas defendem os interesses de grupos específicos; estas, o bem comum

A política é a arte responsável pela administração da vida social e assim sendo tem por fim o bem comum. Promovendo-o, o governante é bom. Se, porém, busca seu próprio bem ou o de grupos específicos, seu governo é mau, corrompido.

O revolucionário norte-americano e presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson afirmou certa vez que “qualquer homem que assuma uma função pública, deve se considerar como propriedade do público”, afinal ali está para servir e não para ser servido. Está como empregado, não como patrão. Em resumo: o Estado é criado pela vontade das pessoas e a estas se sujeita, dado que o centro da legitimidade das suas ações está no consentimento dos próprios governados ao seu governo. Na democracia representativa, que se caracteriza pela forma indireta de participação do povo no processo decisório das políticas do Estado, as funções políticas são preenchidas por representantes escolhidos de tempos e tempos pelo povo.

Fala-se muito, nos dias de hoje, em violação de direitos na ditadura de 1964, embora poucos lembrem que o Estado Novo foi muito mais voraz e atrabiliário do que o ditadura dos generais e que a democracia nascida em 1985 espezinhe os direitos individuais. Apegam-nos às formalidades legais e prestamos pouca atenção à realidade que nos circunda, não nos apercebemos que há grande distância entre a formalidade da lei e a consciência acerca do que são direitos presumidos e reais dos sujeitos, brecha por onde se esgueiram os barões da política nacional sempre prontos a comprar a cidadania por migalhas soltas à sua volta, criando uma verdadeira ciranda de cidadãos maltrapilhos e outros sequiosos por mamar nas tetas do Estado.

Uma cidadania canhestra. De segunda ou terceira categoria. Uma estadania, como disse precisa e ponderadamente José Murilo de Carvalho, ou seja, uma cidadania que se faz apenas por meio e principalmente através do Estado.

Submetido e arriado por políticos, o brasileiro diz não gostar de política.

Mesmo gente que se apresenta como dotado de pensamento crítico, age como destituído de sentidos e de razão, movido pela paixão cega, sem atentar para o quão nociva ela seja. Vale a máxima de Nélson Rodrigues, para quem nada era mais “cretino e cretinizante do que a paixão política (…), a única paixão sem grandeza, a única capaz de imbecilizar o homem”.

O apaixonado político está, provavelmente, na galeria do cretino fundamental, o qual, segundo o genial cronista, é capaz de deturpar o óbvio. E quando diz o óbvio ululante, o faz como se gênio fosse. O apaixonado político que se fanatiza é um imbecil juramentado, o cretino fundamental e sua imbecilidade carrega a todos para o fundo do poço, para o beco sem saída.

Um dia o brasileiro comum vai descobrir que líderes políticos em exercício de mandato são servidores públicos. Devem servir e não serem servidos ou se servirem da coletividade em benefício próprio. São empregados do povo e não os seus patrões.

Quando o brasileiro reconhecer isso, deixará de venerar a quem deveria cobrar.

Se um dia isso ocorrer os nossos salvadores da pátria, os nossos messias e os nossos d. sebastiões serão mais cobrados e menos venerados. Perderão a aura que neles nós, como povo, depositamos e aí, lulismo, bolsonarismo, janismo, janguismo, varguismo, lacerdismo, aluizismo, agripinismo, etc. serão pálida lembrança da nossa frágil existência política presumidamente democrática.

O problema é, recorrendo ao mesmo Nélson Rodrigues, que o apocalipse se aproxima com a emergência do maior evento de nossa época, “a rebelião dos cretinos fundamentais”. Para o cronista e nosso maior teatrólogo, os cretinos fundamentais dominariam o mundo pela simples vantagem numérica e, também, por sua incrível capacidade de auto-organização. Para ilustrar o que dizia, arrematou, em entrevista: “Ponha um cretino fundamental em cima da mesa e você manda ele falar, ele dá um berro e imediatamente milhares de outros cretinos se organizam, se arregimentam e se aglutinam.”

A revolução está a pleno vapor. E já faz um tempo.

 

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