Devagar com o andor

por Sérgio Trindade foi publicado em 16.jun.19

O binarismo político no qual nos metemos em 2010, na disputa do segundo turno entre Dilma e Serra, aumentou exponencialmente em 2013, naquelas jornadas antipolítica amalucadas, e em 2014, quando Dilma e Aécio foram para o segundo turno da eleição presidencial.

Qualquer um que se aventurasse a sair do olho do furacão e apontar uma construção política moderada era logo alcunhado de comunista ou fascista.

Ponho fascistas e comunistas no mesmo balaio. Não são farinha do mesmo saco, mas são do mesmo moinho. Rezam por cartilhas totalitárias e construíram regimes liberticidas e assassinos.

Não sou bacharel em Direito, não sou advogado, não sou jurista, não entendo bulhufas de Hermenêutica Jurídica, só li por alto Teoria Geral do Processo, mas acompanho com certo interesse o debate jurídico e com muito o debate político sobre a trama que envolve os personagens da Operação Lava Jato.

Assisto boquiaberto ao vazamento de informações da LJ. Não a defendo incondicionalmente hoje, como não a defendi incondicionalmente desde o seu nascimento. Fui desde o início, porém, um defensor intransigente da investigação sem fronteiras partidárias e/ou de classes.

Pela retórica lançada por alguns desde sempre contra a LJ e potencializada nos últimos dias, é possível até duvidar que não houve corrupção alguma na Petrobras. Talvez bilhões foram recuperados porque os empresários e agentes públicos que ganharam o dinheiro honestamente resolveram doá-lo à estatal. As cordilheiras e mais cordilheiras de provas levantadas são ficcionais. Lula, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral Filho (é sempre bom pôr o nome completo para diferenciá-lo do pai, uma grande e respeitável personalidade de nossa história), José Dirceu, Aécio Neves e outro tanto são lídimos representantes do venerável interesse público.

Prefiro a moderação ao militantismo desenfreado. A primeira exige certa argumentação, ainda que minha capacidade argumentativa seja sofrível; a segunda, apenas cegueira e gritaria.

Sigamos, então, pelo primeiro caminho.

Fiemo-nos na veracidade dos diálogos.

Se ocorreram tal qual estão expostos, se não estão fora de contexto, houve violação do direito e, portanto, cabe punição aos envolvidos no delito. Não devemos esquecer, porém que existem problemas derivados da formatação do nosso judiciário. Por estas plagas, o juiz que instrui o processo é o mesmo que julga.

Assim não deveria ser, mas é. E nunca nada foi feito para mudar a capenga estrutura.

Tomemos a Itália da Operação Mãos Limpas, cantada em prosa e verso pelo ex-juiz e hoje ministro Sérgio Moro. Lá, o juiz que julga não sabe de nada acerca da condução do processo. Logo, não é contaminado pelo vírus instrucional, mantendo-se distante das refregas que na fase de instrução houve.

Aqui, abaixo da linha do Equador, a nossa estrutura judiciária exige contato próximo entre o ministério público e o juiz instrutor do processo que, ao final, será também o juiz que julgará o caso.

No caso da LJ, isso será agravado pelo fato de os seus integrantes não rezarem pela cartilha garantista, mas estarem antenados pela teoria do controle do crime, uma perspectiva mais afeita àqueles que enfrentam organizações criminosas complexas e que, portanto, exigem uma atuação mais, digamos, heterodoxa e menos garantista. Para essa turma, formada e forjada em anos de enfrentamento com o crime organizado, seguir a senda do formalismo legalista e do garantismo desmedido é o caminho ideal para fortalecer os bandos criminosos e a impunidade.

A turma da Operação Lava Jato acelerou com força e, parece, sentiu-se acima do bem e do mal, tal qual Lula se sentia no campo político. E foi com tanta sede ao pote que criou uma multidão de inimigos ricos e poderosos, que podem pagar caros escritórios de advocacia, que têm amigos influentes no poder judiciário, na mídia…

O caso precisa ser verificado com lupa, para evitar que seja apenas mais um escândalo a ser sepultado. Açodamento não nos levará a bom termo, ainda que eu ache que de bom termo muita gente queira distância.

A última entrevista dada por Lula é, para dizer o mínimo, pouco edificante e pode – como ocorreu, com a reação dura do general Heleno, um dos quadros mais próximos do atual presidente da república – estimular sentimentos nocivos que, a curto prazo, trazem bons frutos políticos para ele e para o seu entorno, mas que criam ainda mais cizânia e mina ainda mais a democracia.

Num momento como o que estamos vivendo, era de se esperar que um ex-presidente da República não contaminasse o espaço de debate com teorias conspiratórias.

Não é hora de atacar em sua totalidade à LJ, mas de apontar e mesmo punir comportamentos equivocados, quando e se houver comprovação, de alguns de seus integrantes.

O país precisa discutir algumas questões que são conveniente e acertadamente levantadas, como me disse um amigo: por que a OAB, que sempre aparece como lídima expressão do bom direito, não exige que o juiz seja impedido de receber uma parte sem a presença da outra? Por que não enterra de vez a cultura do advogado lobista? Por que não enterra a cultura do “despacho com juiz” e não passa a defender o cumprimento da lei processual com a devida isonomia processual?

Seria um bom começo para, na sequência, iniciar-se um amplo debate sobre a reforma do judiciário brasileiro, caro e ineficaz.

 

 

Por Sérgio Trindade

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