Mentira na política ou mentira da política?
Numa passagem de Estado de sítio, peça de Albert Camus, escritor franco-argelino, Diogo um dos personagens, diz que “mentir é, sempre, uma tolice” e é confrontado por Nada, para quem “mentir é uma política. Política que eu aprovo, porque visa a tudo suprimir”.
No governo de Jair Bolsonaro, gabinete do ódio; no de Lula, gabinete da ousadia. Em ambos, provavelmente, centrais nas quais se constroem versões, narrativas e boatos para fustigar e até destruir adversários (ou seriam inimigos?). (https://oantagonista.com.br/brasil/lula-narrativas-mesmo-que-mentirosas-valem-mais-do-que-verdades/)
Num texto clássico (Psychology of Rumor), Knapp argumenta que o boato é apenas e tão-somente uma fala ou escrito sobre assunto de interesse público e destinado a ser acreditado, não verificado por fontes consideradas oficiais, ou seja, insuspeitas. É uma distorção da realidade. É preciso ressaltar, porém, que a ideia de verificação, conforme registra Kapferer, não está dissociada “da pessoa que se presuma tenha feita a verificação”. Se tem credibilidade, confiamos na verificação. Assim, “qualquer definição de boato que se baseie no seu carácter de notícia ‘não verificada’ conduz a um impasse lógico e à impossibilidade de distinguir m boato de outras informações transmitidas pelo simples ‘ouvi dizer’ ou pelos media”.
Mentir é, na política, regra. Seja a mentira escancarada, seja a omissão de informações. Ou, ainda, qualquer outra variante. Repito Nada, personagem de Estado de sítio: “Se seu orçamento é deficitário, se sua esposa é adúltera, anule o déficit e negue o adultério. Cornos, vossas mulheres são fiéis; paralíticos, podeis andar; e vós, cegos, olhai, é a hora da verdade!”.
A mentira na vida pública não é invenção da direita ou da esquerda, mas invenção da política (https://www.tiktok.com/@rubinhonunes.sp/video/6965999983908637957) (https://www.youtube.com/watch?v=e27Phk02dOE).
Políticos mentem desde sempre e em qualquer lugar do planeta. Criam narrativas, inventam fatos, deturpam realidades e números, etc ou como diz Camus num dos trechos da obra citada “é preciso dissimular a situação e não dizer, a qualquer preço, a verdade ao povo”. Para Hannah Arendt o “problema com a mentira e o engodo é que só são eficientes se o mentiroso e o impostor têm uma clara ideia da verdade que estão tentando esconder. Neste sentido, a verdade, mesmo que não prevaleça em público, possui uma primazia inerradicável sobre qualquer falsidade”.
A internet tornou tudo onipresente. Quase nada mais é escondido e, como diria o garotinho que viu o rei pelado, no conto A nova roupa do rei, de Hans Christian Andersen, estamos todos nus, sem podermos esconder os fatos.
Quando Diogo, personagem de Estado de sítio, diz que coisa alguma pode estar “acima da honra”, pois é ela que o mantém de pé”, Nada retruca ser a honra “um passado sideral – passado ou para vir. Devemos suprimi-la”.
Para Max Weber, a singularidade do dever político encontra-se no exercício criterioso da responsabilidade, a saber, na capacidade de agir e de responder pela correção e pela eficiência/eficácia da conduta em situações concretas, que nada mais seria do que assumir compromisso e cumpri-los e exigir o mesmo dos outros.
A honra, bonita de exaltar e difícil de praticar, tem sido aviltada na vida pública atual. Não tem tido lugar cativo em partidos e palácios.