Marx, o valor e o trabalho
O alemão Karl Marx cometeu, em sua longa e profícua vida intelectual, muitos erros. Poucos, porém, como descrito abaixo, que, ressalte-se, não parte efetivamente dele, e sim parcialmente dos fisiocratas franceses e, logo a seguir, dos liberais britânicos, entre os quais avulta o escocês Adam Smith.
Os fisiocratas formavam um conjunto de pensadores que, reunidos em torno da figura central do francês François Quesnay, refletiram de forma mais sistematizada sobre questões econômicas, montando um esquema teórico articulado e uma plataforma política consistente com os princípios teóricos que estruturaram, entre os quais o combate sem trégua às políticas mercantilistas, identificadas como a principal causa da falta de produção de riqueza da França, quando comparada com Inglaterra. Para eles, a riqueza de qualquer país estaria na produção de bens e serviços e não no acúmulo de superávits comerciais, princípio basilar das práticas mercantilistas.
Por estarem num país que pouca importância deu às práticas industriais, os fisiocratas elevaram as atividades mais estreitamente vinculadas à natureza, como a agricultura, à condição de únicas geradoras de riqueza, dispensando assim a ela muito mais atenção do que a qualquer outro setor da economia.
Os fisiocratas defendiam que a economia deveria ser livre da carga de regulações e tributos excessivos prejudiciais ao progresso, devendo funcionar sem os sistemas regulatórios e as barreiras típicas do sistema mercantilista. É deles, e não dos liberais clássicos, a expressão laissez-faire, laissez passer, pedra de toque de políticas econômicas não intervencionistas. Ressalto aqui que a própria palavra fisiocracia significa “governo da natureza”, indicando a crença, também, do conjunto de formuladores dessa escola no direito natural, conjunto de direitos intrínsecos estabelecidos independentemente de sistemas de regras arbitrárias impostas pelos governantes.
Foi nesta fonte que Adam Smith bebeu para escrever A riqueza das nações, obra inaugural da ciência econômica.
O ponto de partida de Smith é o mesmo dos fisiocratas, a saber, a prosperidade de um país não estava baseada no acúmulo de ouro, mas na oferta de produtos e serviços. A diferença em relação aos fisiocratas é que, para o britânico, a oferta deveria ser de qualquer produto e serviço, não necessariamente só os agrícolas.
Tão crítico quanto os fisiocratas quando o assunto era a interferência do Estado na vida dos homens, entre as quais as questões de ordem econômica, ele dizia que “no grande tabuleiro de xadrez da sociedade humana (…), cada peça tem um princípio de movimento próprio, totalmente diferente daquele que a legislatura escolhe impor sobre ela”, por isso “a proposta de qualquer nova lei ou regulamento de comércio deve sempre ser vista com grande precaução e nunca deve ser adotada antes de ter sido longa e cuidadosamente examinada com bastante suspeita. Ela costuma vir de homens cujo interesse nunca é exatamente o mesmo do público e que geralmente têm interesse em enganar e oprimir o mesmo público.”
Para o pensador escocês, a riqueza de qualquer nação tem por base e princípio a divisão do trabalho e a liberdade econômica, sendo a força de trabalho lastro na produção de valor.
Quando o autor d’A riqueza das nações aprofundou a investigação da origem do valor e relacionou-a diretamente à quantidade de trabalho presente nas mercadorias chegou à conclusão de que o trabalho é fonte do real valor da mercadoria. O raciocínio de Smith nasceu da constatação de que desde os primórdios a maneira pela qual se media o valor em qualquer tempo e espaço era somente pela quantidade de trabalho, logo o trabalho era uma medida invariável. Nas palavras dele: “o trabalho é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias.”
E como o sistema funcionaria?
Como os indivíduos não conseguem produzir tudo aquilo que necessitam, precisam dirigir-se algum canto para adquirirem o que outros produzem, trocando o que necessitam por aquilo que têm, porque o valor daquilo que têm excede ao seu uso, logo o que têm para trocar será confrontado com o que querem adquirir e a medida estabelecida para a troca é a quantidade de trabalho presente nos objetos a serem trocados. A quantidade de trabalho de um produto será trocada pela mesma quantidade de trabalho do produto de outra pessoa. A quantidade de trabalho, ressalte-se, é utilizada como medida padrão do valor.
A fonte econômica na qual o camarada Marx bebeu é esta, com os acréscimos feitos por David Ricardo. Para o pensador alemão – que dizia completar e mesmo corrigir a concepção de valor de Ricardo, que introduziu o trabalho indiretamente contido nos meios de produção (o qual Marx chamava de capital constante), relacionando sua propriedade ao recebimento do lucro, sem considerar onde ele, o lucro, nasceria – o lucro adviria do trabalho vivo (o qual Ricardo chamava de trabalho diretamente usado na produção). Por isso, destacou a qualidade de mercadoria da força de trabalho, cuja função era gerar um valor superior ao seu próprio (valor da mercadoria), este último determinado “como o de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção e, por consequência, a sua reprodução.” Logo, há exploração na esfera da produção, pois é nela, na produção, frisa Marx, que o excedente ou a mais-valia é gerada, visto que “a circulação ou a troca de mercadorias não cria nenhum valor”.
A insistência de Marx em dizer que só o trabalho cria valor e, portanto, riqueza é incorreta, pois se assim fosse quanto mais trabalho, medido no tempo, houver, mais valor terá a mercadoria. Ora, expedientes mais longos não criam riqueza ou crescimento, como a história demonstrou. Isso, porém, não autoriza ninguém a dizer que o trabalho não seja parte crucial na construção do valor das mercadorias; há outros igualmente importantes, a saber, capacidade empreendedora e de assumir riscos calculados, investimento de capital, administração e gestão racionalizada, entre outros.
Muitos negócios quebraram pela ausência de tais elementos. Ademais, nem todo trabalho é igual, ou seja, existem especialidades e abordagens diferentes na força de trabalho, sem contar o papel exponencial desempenhado pelos consumidores, criadores da demanda e, portanto, da necessidade da produção e, assim, do nascimento do trabalho e da sua divisão e especialização. Por último, o lucro não significa exploração do trabalhador. Tal ideia tangencia a doutrina tomista, erguida ainda no período medieval e que deu lastro à postura de rejeição da igreja católica ao capitalismo.