Lupanaria // I – O homem

por Sérgio Trindade foi publicado em 29.dez.24

Instrutor de cães e filho de uma lavadeira com um grumete, Odorico Gomes Dias, abandonado logo que nasceu pela mãe, cresceu na rua e bebeu leite de uma loba guará.

Nascido em Eçaraiapólis, sertão de Canguçu, e criado no subúrbio do Rio de Janeiro, Odorico Gomes Dias foi de batedor de carteira a ladrão engomado com verniz acadêmico, passando por ladrão de bolsas e malas em rodoviárias e aeroportos, onde aprendeu a arte de furtar, até se mudar para Malassombro, capital do seu estado natal.

Quando falava, sua voz saía com um chiado de estática, como se houvesse engolido um apito rachado. Um seu amigo de infância dizia que Odorico falava assoviando. Talvez já fosse treinado para, ao falar, assoviar avisando aos amigos peraltas e depois ladrões feitos quando alguém estivesse se aproximando.

A história é estória. Podem ser mentiras ou verdades. Fato ou ficção. Realidade ou falsidade. É certo, são eventos de um falso, quase sempre cercado por outros de sua estirpe, os quais tomaram de assalto, já adultos, um instituto de formação de técnicos em comércio e o transformaram em centro de formação de crápulas e pústulas, todos doentes com vestes docentes, fingindo-se pungentes com a situação da província, do país e dos mais pobres. Dolentes posando de trabalhadores aplicados. Aplicados golpeadores do dinheiro público apresentando-se como diligentes operários. Marajás de interesses inconfessáveis e sabujos da mesquinharia travestida de interesse público e republicano. Afanadores de todo tipo de bolsas, benesses e numerários distribuídos como merendas silenciadoras para prestadores de serviços de covil e de gabinete.

No Seminário Tratantada dos dez últimos anos do século XX e dos dez primeiros do século seguinte, um entre tantos e tantos entre poucos era ladrão. E nós nunca desconfiamos de um Odorico, porque ele, de presença discreta e diletante e de fala maviosa d’alguém sempre pronto a ajudar, não deixava transparecer a natureza corrompida. Ademais, é protegido pelo grupo que se adona dos mecanismos de poder, razão pela qual ninguém põe a mão nele. Passou anos e anos furtando e desviando todo tipo de recurso, enquanto as autoridades o protegem, os jornais nada noticiam . Quando jornalistas querem exercer a profissão com independências, autoridades evitam que dados comprometedores cheguem a eles.

Odorico não é um personagem enigmático e nem um homem cheio de imaginação. É um biltre que age nas sombras, protegido pelos seus – exatamente aqueles que deveriam investigar malfeitos. É ladrão busca sofregamente, sem nada no bolso, onde arrecadar uns recursos. Nunca parte de mãos vazias. O seu cartão de visita: a venda de ilusões e de publicidade do nada. Foi de ladrão de rua a ladrão de casaca, ainda que nunca a vista. Está sempre envergando o macacão dos espertos, como bom e competente artífice. Vende amigos, pais e o que puder para faturar algo, mesmo míseros caraminguás.

Os seus amigos mais próximos são tão bons de bico quanto ele. Batedores de carteira, punguistas, ladrões de bolsas e malas, agiotas, contrabandistas, donos de agências de viagem trambiqueiros, empresários inescrupulosos do ramo do entretenimento, políticos corruptos, alpinistas sociais, professores venais e gestores públicos afanadores dos bens de todos. Os últimos também se destacam como aplicados perseguidores daqueles que estejam em posição vulnerável ou que executem façam qualquer ato que lhes representem ameaça.

Dois deles: Audálio Cuenca e João de Barros Cacatua.

Cuenca é descendente de caraquenhos criado na Vila Macondo. Foi lugar-tenente de Josefino Machado, atrabiliário diretor de uma repartição pública outrora veneranda e venerável.

João Cacatua “trabalhou” na rua com Odorico, furtando e dando golpes, até ser presenteado com uma sinecura na instituição dirigida por Josefino, pelos serviços de bobo arduamente ofertados à patota que manda no pedaço. É seu irmão de sangue. Gêmeo.

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