O governador é o homem mais feio do estado!

por Sérgio Trindade foi publicado em 09.ago.17

O golpe de Estado dado para sanear a vida pública, afastando corruptos e demagogos da vida pública, tinha prazo para acabar. No entanto, à tarefa foram sendo acrescentadas novas e outras mais… e o que era para ser resolvido em um ou dois anos arrastou-se por duas décadas.

Para não que o regime não fosse chamado de ditadura, os novos donos do poder montaram todo um arcabouço institucional que imitava uma democracia: havia três poderes, eleições, imprensa funcionando, etc. Um simulacro de democracia que engabelou muita gente.

Quando estava para debutar, a ditadura patrocinou mais um daqueles arranjos que, com muito custo, podemos chamar de eleição. Indireta, diga-se, porque quando as eleições eram diretas, os chefetes de ocasião e os seus prepostos eram surrados sem piedade pelos eleitores, que vinham sufragando, eleição a eleição, os candidatos oposicionistas.

Mas mesmo nas eleições indiretas, os ditadores e os seus candidatos começaram a enfrentar dificuldades, o que passou a exigir uma costura prévia para pavimentar a vitória dos aliados.

Pacificar politicamente os estados era o grito de guerra, pois isso evitaria que os grupos oligárquicos, geralmente familiares descambassem para amotinamento e se perdessem, carregando consigo os estados, num radicalismo tosco e pueril.

Por vezes, com raras exceções. as oligarquias estaduais eram aliadas, em nível nacional, na defesa do regime autoritário; adversárias, inimigos até, nos seus quintais. A boa saúde e a sobrevivência política do regime autoritário dependiam do bom andamento da política nos estados.

Em Pedroboolândia, um daqueles estados muito pobres, a eleição transcorreu sem maiores sobressaltos porque os dois mais poderosos grupos políticos, adversários quando o assunto era o apoio ao governo federal, estiveram no mesmo palanque no pleito, garantindo a eleição do governador e do senador.

Foi a última eleição em que os governadores de estado seriam eleitos indiretamente.

Um importante jornal do mais rico e populoso estado do país designou alguns repórteres para entrevistar os eleitos, quase todos do partido que dava sustentação política ao governo no Congresso Nacional.

Para o pobre e esquecido estado foi designado Pietro Elias, um jovem repórter descendente de italianos e em início de carreira. Era um menino idealista e meio aluado, que sonhava fazer entrevistas que mostrassem com fidelidade quem eram e o que pensavam os futuros governadores. Criado pela avó, nunca tinha saído da barra da saia da nona.

Dadas as coordenadas gerais, o jovem embarcou da metrópole com destino à provinciana capital do estado miserável. Descendo no acanhado aeroporto de Natividade, que ficava vizinho à base aérea, lembrou-se que esquecera o papel com endereço e com o nome da pessoa a quem deveria se dirigir para ter acesso ao governador eleito. Incontinenti, ligou para a sede do jornal. A secretária que o atendeu disse-lhe que não havia, naquele momento, ninguém que pudesse lhe ajudar e sugeriu: “Olhe, tenho o endereço onde se encontra a equipe que está fazendo a transição, você pode se dirigir para lá. Não se preocupe, é fácil você identificar o homem. Ouvi dizer aqui que o governador é o homem mais feio do estado”.

Mais tranquilo, o repórter pegou um táxi e se dirigiu ao edifício onde estava sendo feita a transição. Lá chegando, deparou-se com Celione Apneico, advogado conceituado e membro de conhecida família local. Feio de rosto, com marcas da varíola e um grande corte que descia do olho direito até o canto da boca, baixinho, atarracado, careca e vesgo, o advogado foi logo confundido pelo intrépido repórter com o governador eleito. Simpático e risonho, Celione indicou: “Não, meu filho, eu não sou o governador. Ele está lá em cima”, disse indicando o caminho que o jornalista deveria seguir.

Agradecendo, o repórter seguiu pelo corredor e começou a subir as escadas, quando trombou com o homem mais feio que já vira na vida, Sandoval Batráquio.

Conhecido empresário local, Sandoval Batráquio era miúdo de corpo, tinha um bucho fenomenal, cabeça enorme enterrada direto sobre os ombros, olhos esbugalhados, um nariz colossal e uma boca tão miúda quanto à de Emília do Sítio do Picapau Amarelo. Sem pestanejar, Pietro Elias cumprimentou-o efusivamente: “Boa tarde, governador”. Igualmente sem pestanejar, Sandoval, replicou: “O governador está lá em cima”. Fazendo meia-volta, o jovem jornalista despiu-se de seus ideais e desistiu de entrevistar alguém que fosse ainda mais feio do que os dois personagens que encontrara há pouco.

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