Lula, o Honesto e o Ernesto

por Sérgio Trindade foi publicado em 23.fev.22

Quando revejo o vídeo no qual Lula se põe como a alma mais honesta do Brasil (https://www.band.uol.com.br/videos/lula-nao-existe-uma-viva-alma-mais-honesta-do-que-eu-15743273), lembro-me da piada contada sobre a reunião do Alto Comando para escolha do sucessor do presidente Emílio Garrastazu Médici, em 1973.

Antes de prosseguir, vamos aos fatos históricos.

O Alto Comando do Exército (composto por nove generais de quatro estrelas) teve papel decisivo nas escolhas presidenciais de Médici e de Ernesto Geisel.

Incapacitado, em 1969, por uma isquemia cerebral, Costa e Silva encontrava-se entrevado, sem poder falar e com o lado direito do corpo paralisado. A Constituição de 1967, feita pelo regime alçado ao poder em 1964, por um golpe de força, determinava que na impossibilidade de o titular da presidência exercê-la o vice-presidente deveria assumir. Mas o que era a Constituição para aqueles que mandavam no país? Apenas um pedaço de papel com serventia limitada e, assim, Pedro Aleixo, o vice de Costa e Silva, foi impedido. Seus telefones foram grampeados e a portaria do apartamento no qual vivia passou a ser vigiada para evitar que ele tentasse sair do Rio de Janeiro (os fatos são dados em detalhes no trabalho de Elio Gaspari sobre o período autoritário de 1964-1985). Por um tempo uma junta militar composta pelos ministros do exército, da marinha e da aeronáutica (que Ulisses Guimarães, um aliado de primeira hora do movimento que golpeou João Goulart e que progressivamente tornou-se um dos mais combativos soldados da redemocratização, chamou jocosamente de os três patetas) empalmou o poder, até que fossem acertadas as regras que regeriam a escolha do novo presidente da república, a cargo de três generais: Antônio Carlos Muricy, Emílio Garrastazu Médici e Jurandyr Bizarria Mamede.

Pela alquimia da tríade regente, uma espécie de tribunal eleitoral casuístico, os comandos do exército foram divididos em oito distritos, que deram a vitória a Médici (77 votos) sobre Albuquerque Lima (38), um general de apenas três estrelas e que, ainda por cima, era crítico ferrenho da política econômica pilotada por Delfim Neto, o inatingível ministro da fazenda responsável milagre brasileiro, então em sua fase inicial.

O Brasil, apesar de viver sob regime autoritário e de a imprensa estar censurada, muitos rumores eram ouvidos acerca de desvio de montanhas dinheiro para obras faraônicas, como a Transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu, entre outras. Também havia risco de epidemia de meningite, que o governo tentava abafar de qualquer jeito. O crescimento econômico era assombroso e os índices de popularidade de Médici também eram igualmente assombrosos, a ponto de surgirem vozes no parlamento sugerindo que o mandato presidencial fosse renovado, até mesmo concorrendo por eleição direta, manobra prontamente rejeitada pelo presidente, que em 1973 escolheu o seu sucessor, o general Ernesto Geisel, presidente da Petrobras e irmão do ministro do exército, Orlando Geisel, uma espécie de condestável da república.

Como o brasileiro perde o amigo e até a vida, mas não perde a piada, corria que a escolha não foi assim tão pessoal, pois contara com a intervenção do Alto Comando do Exército, que se reuniu para indicar o nome do candidato do regime. Durante a reunião um dos presentes gritou que o essencial, para ser presidente, era que o escolhido fosse honesto. De pronto, um outro rebateu:

– Não há homens honestos para ocupar a cadeira de presidente. Mas nós temos um general que se chama Ernesto. Assim, o descendente de alemão Ernesto Geisel foi escolhido para ser o candidato da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e, batendo Ulisses Guimarães (Movimento Democrático Brasileiro – MDB), em eleição protocolar e apenas homologatória, guindado à Presidência da República.

Saindo da troça e voltando à história, Geisel, ainda atarantado por ter sido o escolhido, chegou a dizer: “Só num país como o Brasil na situação atual eu poderia chegar à presidência da república. Como é que se chega ao meu nome? Ora, porque fulano é cretino, sicrano é burro, beltrano é safado. Isso é jeito?”.

Lula não é Ernesto, já foi presidente e no seu governo foram desviados bilhões em obras no mínimo suspeitas. Suspeito que pretenda agir como Médici (já tentou em 2018) pôr a mão na cabeça de alguém, ungindo-o como candidato presidencial.

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