Brizola e Muricy em Natal

por Sérgio Trindade foi publicado em 16.set.23

A deposição do presidente João Goulart foi evento dramático da maior importância da história do Brasil. E um dos momentos marcantes que antecederam a deposição de Jango ocorreu em Natal.

Brizola exercia certa influência sobre o cunhado-Presidente e forçava o governo a lances cada vez mais ousados em direção à mais polêmica das reformas de base, a agrária, propondo em março uma lei segundo a qual seria possível fazer as desapropriações de terras com apólices do governo em vez de dinheiro. Como o projeto não foi votado no Câmara de Deputados, o parlamentar radicalizou ainda mais sua pregação, chegando ao ponto de afirmar ser impossível trabalhar em harmonia com o Congresso Nacional.

Ainda no primeiro semestre de 1963, o ex-governador do Rio Grande do Sul e então deputado federal pela Guanabara e cunhado de Jango, Leonel Brizola, veio a Natal, desembarcando no aeroporto Augusto Severo no domingo, 5 de maio, às 17h, acompanhado, segundo Hélio Silva, pelos deputados federais Murilo Costa Rego e Lamartine Távora e pelo engenheiro Heber Maranhão. O prefeito da cidade, Djalma Maranhão, recepcionou a comitiva, que “dali seguiu para a residência de Heber Maranhão”. Brizola jantou e deu entrevista, reafirmando seu compromisso com as reformas de base e pontuando ser aquele um mês decisivo na caminhada.

A presença de Brizola em Natal prendia-se a convite feito pela “Frente Nacionalista do Rio Grande do Norte para falar, em sua sede, no Fórum de Debates”.

À noite, os oradores se sucediam criticando a presença do embaixador dos EUA na região Nordeste e os mecanismos da Aliança para o Progresso. Os discursos eram transmitidos por um pool de rádios comandado pela rádio Mairynk Veiga. Brizola seria o principal orador da noite e fez uma fala de 1h45min, na qual além de atacar o embaixador norte-americano, dizendo “que apresentaria ao Presidente da República ‘representação contra o Embaixador Gordon’, considerando-o persona non grata do Governo brasileiro, pois agia em nosso País como ‘autêntico inspetor de colônias’”, também direcionou as baterias contra a Aliança para o Progresso e “concitou o povo a expulsar do País os ‘agentes do imperialismo ianque’.”

O grave, porém, foi quando o orador da noite, ao se referir às Forças Armadas, fez alusão ao general Antônio Carlos Muricy, comandante da guarnição local, chamando-o de gorila e golpista e conclamando os “soldados do Exército, Marinha e Aeronáutica para que pegassem em armas, em defesa das reformas de base”, pois era necessário “colocar mais fogo na fogueira e aumentar a pressão contra o Congresso para conseguir a aprovação das reformas indispensáveis à vida brasileira.”

No momento da arenga de Brizola, o general Muricy participava de jantar no Palácio do Governo, na Cidade Alta, em homenagem ao embaixador Gordon, então visitando o estado a convite do governador Aluízio Alves.

A fala inapropriada do gaúcho deputado pela Guanabara gerou reação em cadeia, com o Clube Militar lançando manifestações de desagravo e parlamentares tentando convencer o Presidente Jango a conter o cunhado na sua tentativa de insuflar os praças das FFAA.

O general logo que soube da agressão que sofrera convocou reunião em sua residência com os comandantes das unidades militares e, informado que alguns oficiais se dirigiram à casa de Heber Maranhão, onde se hospedara Brizola, ordenou que fossem detidos (segundo o jornal Correio da Manhã, por volta de meia-noite, oficiais à paisana cercaram o local), “proibiu qualquer manifestação dessa natureza e determinou que toda a tropa se mantivesse em rigorosa prontidão.”

No dia seguinte, pela manhã, todos os oficiais das três armas sediadas em Natal fizeram manifestação de desagravo ao general Muricy, que à tarde foi a Recife apresentar relatório do ocorrido ao general Castelo Branco, comandante do IV Exército.

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