Rômulo e Remo, a Loba e a Prostituta
Escrevi semana passada sobre a existência de pelo menos dois Rômulos, um fundador e um refundador de Roma, e uns três ou quatro leitores dos cinco ou seis que leem o que escrevinho pediram-me detalhes sobre algo que mencionei, a saber, o de que os gêmeos Rômulo e Remo foram amamentados por uma prostituta, e não por uma loba mesmo, como reza a lenda (http://historianosdetalhes.com.br/historia-geral/roma-e-romulos/).
A lenda diz que Enéias, filho de Anquises, último rei troiano, e da deusa Vênus, foi perseguido pela deusa Juno, inimiga dos troianos, fugiu para o Lácio, onde seu filho Ascânio fundou Alba Longa, ao sul de onde nasceria bem mais tarde Roma. Após trezentos anos, o décimo segundo sucessor de Ascânio, Numitor, foi destronado por seu irmão Amúlio, que obrigou Réa Sílvia, filha de Numitor, a tornar-se vestal, pois assim evitaria a incômoda aparição de herdeiros rivais provenientes da linhagem do irmão. Achava Amúlio que tudo estava resolvido e adversário ou inimigo algum iria lhe barrar o caminho até que a jovem vestal apareceu grávida e alegou ter sido estuprada pelo deus Marte. Estudiosos como Tito Lívio e Cícero hesitam em aceitar a versão do estupro, alegando que provavelmente Réa Sílvia usou do artifício para encobrir um caso amoroso bem humano.
Sendo Marte ou algum humano o pai, o fato é que Réa Sílvia pariu gêmeos, os quais, por ordem do tio-avô, foram lançados nas águas do rio Tibre e salvos por uma loba, que os amamentou na gruta de Lupercal. Um casal de pastores resgatou as crianças e as criou; quando elas atingiram a adolescência, mataram o usurpador Amúlio e restituíram o trono ao avô Numitor, que os recompensou com uma porção de terra, onde depois foi fundada a cidade de Roma, a qual, segundo a tradição, nasceu sob o signo do fratricídio, dado que Rômulo matou Remo quando este atravessou armado os limites da cidade.
Morto Remo, Rômulo tornou-se o primeiro rei de Roma. Há, ressalto, pelo menos uma dúzia de versões sobre a história de Rômulo. Todas, como eu disse no último texto, muitas vezes incompatíveis. Registro, uma vez mais, que o ocorrido está envolto em brumas mitológicas, mas houve autores, é o caso de Tito Lívio, que emprestou certa racionalidade à trama mítica.
A palavra latina para loba é lupa, que também era utilizada de forma coloquial para indicar prostituta. Lupanare era o termo largamente utilizado tanto para se referir a um covil de lobas, como para designar bordel. De um modo geral, o termo lupanar, oriundo do latim lupanare, tem como sinônimos prostíbulo, bordel, alcouce, etc.
A história da prostituta é muito mais plausível do que à da loba. Ademais, a sequência da trama a reforça, porque um bondoso pastor recolheu as crianças no rio e as levou para casa, ficando aos cuidados de sua esposa (seria ela, a esposa do pastor, a lupa, ou seja, a loba?).
Rômulo e Remo viveram com a família do pastor até a juventude, quando encontraram o avô e partiram para restituir-lhe o trono e viverem história de ambição e rivalidade semelhante a que destruiu a relação entre os irmãos Numitor e Amúlio.
A divergência quanto ao local onde deveria ser fundada Roma (Rômulo escolheu a colina conhecida como Palatino, enquanto Remo optou por Aventino) foi o estopim que selou o destino dos irmãos, pois Remo desafiou o irmão saltando sobre as defesas erguidas para proteger a urbe, que reagiu desferindo um golpe de espada, matando-o e, segundo Tito Lívio, gritando: “Assim morrerá quem mais tentar saltar sobre os meus muros”.