A imprensa não é corrupta

por Sérgio Trindade foi publicado em 26.jun.20

Vira e mexe, algum político ou intelectual ou artista ou cidadão comum saca uma generalidade sobre o comportamento da mídia, dizendo-a golpista, fascista, comunista, vendida e por aí vai.

A postura indica o nosso desconforto com o contraditório, o nosso incômodo com a liberdade, o nosso veio autoritário.

Fiquemos apenas nos dois presidentes mais importantes do período pós-redemocratização, Fernando Henrique e Lula, ambos eleitos pelo voto direto, os únicos que conseguiram concluir os dois mandatos a que que fizeram jus.

Nos Diários da Presidência, Fernando Henrique mostra a relação tensa que teve com a mídia, notadamente com a Folha de São Paulo e as Organizações Globo.

No volume 1 dos Diários..., as reclamações do tucano com a Folha de São Paulo abundam. Segundo o ex-presidente, ela dá muitas notícias desfavoráveis ao seu governo.

Por vezes, FHC exaspera-se com o que chama de excessos do jornal paulista e questiona, em conversa com o Antônio Carlos Magalhães, a forma como as novas gerações conduzem as Organizações Globo, preocupadas apenas em “ser contra”.

Luiz Inácio Lula da Silva e principalmente parte do partido dele não tiveram relação das mais amistosas com a mídia.

São emblemáticos da tensão, as tentativas de manter controle sobre o setor e a investida para expulsar Larry Rother, correspondente do The New York Times no Brasil, porque o jornalista escreveu matéria sugerindo que Lula teria problemas com o álcool.

O que poderia ser um debate sobre a leviandade de Larry Rother transformou-se num incidente internacional, pois em questão de horas, após a desastrada atitude do presidente, jornais de todo o mundo, que publicaram matérias louvando a ascensão do operário que chegou a presidente, começaram a apontá-lo, acertadamente, como intolerante e autoritário.

Depois de deixar o Palácio do Planalto, Lula disse, na França, que a nossa imprensa adora denunciar político, “mostrando a cara dele noite e dia nos jornais”. E completou vil e levianamente que a imprensa não denuncia banqueiros, porque são “eles que pagam a publicidade da mídia”.

A fala do ex-presidente insinuava que isso ocorre porque jornalistas não querem apurar e publicar fatos que envolvem os anunciantes.

Não houve muitas manifestações contrárias à fala de Lula, provavelmente por uma razão simples: políticos, como indico acima com o próprio Lula e com FHC, gostam de falar mal da mídia. Os dois, claro, não estão sozinhos na peleja. O comportamento é epidêmico. Basta um veículo cobrar explicações sobre os malfeitos deles ou de seus partidos que logo investem contra a matéria, sobre o jornal e sobre o repórter – ou sobre os três de uma vez só.

Ao desqualificarem os profissionais que cumprem com suas atribuições, Lula, FHC e outros mais esquivam-se, lançando a culpa que carregam na costas numa certa má intenção de repórteres, editores e empresários da comunicação.

Repito, Lula não é o único, embora seja useiro e vezeiro na arte de desconversar e desqualificar a mídia, e como fez e ainda faz isso com frequência, os seus arroubos quase já não geram mais notícia.

A fala de Lula na França exala desconhecimento do campo midiático e não tem base factual, pois não foram poucas as matérias jornalísticas sobre banqueiros metidos em malfeitos. Só pra refrescar a memória, por anos a fio foram expostas as trambicagens nas quais estiveram presentes Edemar Cid Ferreira, Kátia Rabelo, Salvatore Cacciola, Sílvio Santos e outros mais.

Mais: os bancos privados não são, nem de longe, os maiores anunciantes do Brasil, segundo consta no Mídia Dados. Alguns deles são superados por bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil. Mais ainda: os grandes anunciantes mesmos são gigantes da indústria.

É preciso reconhecer que a mídia tem acertado mais do que errado, denunciando casos escabrosos de desvios de recursos públicos, quase todos confirmados por investigações rigorosas de autoridades do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Por último – e mais importante, os maiores anunciantes de TVs, jornais e revistas são os governos federal e estaduais. Anunciam mais do que o setor industrial e bem mais do que o setor financeiro, e nem por isso deixam de ser citados desfavoravelmente na imprensa.

A fala de Fernando Henrique Cardoso e os vitupérios de Lula retratam apenas o mal-estar de quem é pego em situação constrangedora. O atual ocupante do Palácio do Planalto e seus assessores deveriam aprender com o passado, que é o melhor dos professores.

Há uma frase atribuída a Millôr Fernandes que deve exprimir o papel da imprensa no mundo. Para Millôr, “jornalismo é oposição; o resto, armazém de secos e molhados”.

Por isso, não caia na ladaínha dessa turma reclamona.

Saiba, à imprensa interessam os anunciantes, sem dúvida. O mais importante para ela, porém, é a confiança do público. Sem isso, os anunciantes voam.

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