Da liberdade de expressão

por Sérgio Trindade foi publicado em 20.out.22

Há uma frase (nunca confirmada) atribuída ao baiano Rui Barbosa, um dos luminares da geração de homens públicos do final do império dos primeiros trinta anos da república, que sintetiza com precisão o que o Brasil vive há quase uma década e que vem se acentuando de maneira perigosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer.”

Sob o pretexto de impedir à disseminação de notícias falsas, o Tribunal Superior Eleitoral faz uma verdadeira caça às bruxas, censurando até o que ainda não existe e transformou a campanha eleitoral deste ano num dos maiores atentados à liberdade de pensamento e de expressão poucas vezes vistos no país. Para reconhecer isso eu não preciso votar em Bolsonaro. Qualquer pessoa que valorize o direito sagrado de pensar e expressar o que pensa deveria ficar ressabiado com o que estamos assistindo.

Notícias falsas e propagandas negativas contra candidatos existem desde que a política nasceu. Puristas apontam que o que se faz hoje ultrapassou todas as medidas, esquecendo que, em 1989, Lula foi atacado abaixo da linha da cintura por Fernando Collor (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2607200907.htm), e que, em 2014, o então marqueteiro de Dilma Rousseff, João Santana, utilizou de meios condenáveis para enterrar a candidatura de Marina Silva, como a própria Marina afirmou (https://www.youtube.com/watch?v=IFpiKgnAdQU), para ficar em apenas dois exemplos recentes.

A liberdade de expressão é um valor sagrado e deve ser preservada, sempre. Quem se sentir atingido por ataques pode recorrer aos meios legais para exigir reparações. Cercear o direito de fala é um erro e aberta a porteira da censura não se sabe como e quando parar. Ademais, a Constituição Federal, em seu artigo 220, diz: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” e lei alguma deve conter “dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV”, sendo “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

O artigo 5º nos incisos IV, V, X, XII e XIV registra que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, sendo “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, assegurando-se “a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”

Qualquer pessoa que se sinta caluniada, difamada ou injuriada pode recorrer à justiça e exigir reparação. A calúnia, a difamação e a injúria são tratadas, respectivamente, nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal.

Assim deve ser na democracia. Passar por cima disso, mesmo que com as melhores das intenções, é caminho aberto para ingresso no autoritarismo, seja ele exercido por presidente ou juízes. E recorro a Rui Barbosa para finalizar este texto: “Rejeito as doutrinas de arbítrio; abomino as ditaduras de todo o gênero, militares, ou científicas, coroadas, ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância; e, quando esta se traduz pela abolição geral das grandes instituições docentes, isto é, pela hostilidade radical à inteligência do país nos focos mais altos da sua cultura, a estúpida selvageria dessa fórmula administrativa impressiona-me como o bramir de um oceano de barbaria ameaçando as fronteiras de nossa nacionalidade.”

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