O gabola

por Sérgio Trindade foi publicado em 06.abr.22

Estava passeando por páginas da internet, ontem, quando me deparei com um dos surtos de gabolice de Lula e subitamente lembrei de Marco Aurélio, filósofo de nomeada e imperador romano, para quem é melhor “ser reprovado por um gênio a ser louvado por um idiota.”

Voltando a Lula.

O líder petista disse recentemente, num evento ocorrido numa universidade do Rio de Janeiro, com claque amestradamente pronta a aplaudi-lo, que a guerra Rússia-Ucrânia seria facilmente resolvida por aqui, numa mesa de bar. Segundo Lula, a paz seria celebrada depois de uma ou duas ou três ou até as garrafas de cerveja acabarem (https://www.aquinoticias.com/2022/04/20220405103505-lula-e-criticado-por-dizer-que-evitaria-guerra-na-ucrania-com-cerveja/).

As bazófias de Lula ainda são ouvidas por dementes ou por gente que pretende garantir interesses escusos ou marotos. É sintomático da crise de liderança que afeta o país, com o seu principal oponente rivalizando com ele em arroubos retóricos infelizes, para dizer o mínimo.

As falas de Lula, com seu antiamericanismo simplório, sobre a guerra Rússia-Ucrânia beiram a molecagem. Desta feita, com as suas referências cervejeiras, ditas numa universidade, pretensamente templo do saber, é primitiva e desrespeitosa e demonstra claramente o nível pedestre de um homem que exerceu, por oito anos, o mandato de presidente da república e está há mais de quatro décadas no topo da elite política brasileira. Disse o ex-presidente: “A quem interessa essa guerra? A razão dessa guerra, por tudo o que eu compreendo, que eu leio e que eu escuto, seria resolvida aqui no Brasil em uma mesa tomando cerveja. Teria resolvido aqui, senão na primeira cerveja, na segunda; se não desse na segunda, na terceira; se não desse na terceira, até acabarem as garrafas a gente ia fazer um acordo de paz.”

A ex-embaixatriz da Ucrânia no Brasil, Fabiana Tronenko, manifestou-se, em suas redes sociais, sobre o ocorrido, dizendo o óbvio: “Que desrespeito do ex-presidente Lula com o povo ucraniano e com todos os esforços do Presidente Zelensky! Liberdade, Democracia e vidas, não se resolvem em uma mesa de bar.” Até Ciro Gomes, também dado a arroubos retóricos sem freios, manifestou-se: “Uma tragédia humanitária acontecendo, uma guerra… Falando que cerveja é o remédio que ele recomenda para acabar com a guerra na Ucrânia. Veja que cenas patéticas de demagogia. (…) Isso me causa mais do que vergonha alheia. Isso me causa náuseas” (https://www.poder360.com.br/eleicoes/ciro-critica-lula-por-fala-sobre-acabar-guerra-com-cerveja/).

O atual inquilino do Alvorada que dá expediente no Palácio do Planalto, também useiro e vezeiro na arte de trocar os pés pelas mãos, segue silente. Talvez, para ele e quem sabe para o país, seja mesmo melhor o silêncio à fanfarra, pois assim ele cumpre a máxima segundo a qual “É aconselhável que nos calemos e deixemos as pessoas pensarem que somos idiotas a falarmos e acabarmos inteiramente com a dúvida.”

Sobre a grandeza diplomática de Lula e sua lendária capacidade de convencimento e negociação, (re)lembremos um momento da história recente.

Entre 2009 e 2010, o governo Lula manteve relações diplomáticas para lá de amistosas com o Irã e “fez a mediação sobre o programa nuclear iraniano, apresentada pelas grandes potências como ‘a última chance’ antes da nova rodada de sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o país.” Não levou cervejas para se reunir com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e com o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. À época, Estados Unidos e Rússia desconfiavam que o Brasil tivesse êxito na empreitada, pois Teerã não tinha compromisso algum com uma solução negociada. Lula, por sua vez, dizia haver 99% (não se sabe de onde tirou o dado) de chances de fechar um acordo com os iranianos. Sobre as desconfianças norte-americanas e russas, o então presidente brasileiro afirmou não saber “com base no que as pessoas falam isso. (…) Não é porque o meu time não ganhou o jogo de ontem que ele não pode ganhar o jogo de amanhã.” (https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2009/11/091123_ahmadinejadatualiza_ac).

A mediação brasileira conseguiu desafogo momentâneo, mas pouco mais três anos depois, o Irá estava novamente dando caneladas no mundo e uma década depois, o programa nuclear iraniano segue sendo “uma das principais preocupações da agenda geopolítica global”, pois diz respeito a “um dos temas que mais exigiu esforços diplomáticos desde que, em 2003, a Organização Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) descobriu que o Irã havia desenvolvido, ao longo de 18 anos, um programa secreto que incluiu a construção de diversas instalações atômicas importantes e sofisticadas.” (https://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/05/lula-chega-ao-ira-para-mediar-questao-do-programa-nuclear.html). Ou seja, com ou sem cerveja e mesmo com diplomacia profissional atuando, a complexidade da situação esmagou os melhores esforços e demonstrou que gogó de político só funciona mesmo em palanque. Alguns dos meus colegas e amigos especialistas em geopolítica, que apostavam na grandeza do Brasil e de Lula e diziam orgulhosamente que o líder petista estava criando um novo polo de força na seara internacional, seguem caladinhos ou gastando verborragia nas bolhas que frequentam.

Não é batendo papo ou dizendo bazófias, com faz Lula, que uma situação histórica e politicamente complexa como a relação Rússia e Ucrânia será solucionada, como não foi resolvida a delicada questão iraniana.

Para finalizar, o Lula que deblatera contra a guerra ocorrida nos confins da Europa é o mesmo que, em 2010, “Eu gostaria, e o momento vai dizer se vai ser possível ou não, que todos nós tivéssemos apenas um candidato, que fizéssemos uma eleição plebiscitária, ou seja, nós contra eles, pão-pão, queijo-queijo. Se não for possível, paciência” (https://www.estadao.com.br/noticias/geral,lula-diz-que-eleicao-de-2010-sera-nos-contra-eles,451113). É típico dele e de quem o segue (e nisso tem a semelhança de seu principal contendor nos dias atuais) instigar o ódio entre pessoas e grupos (mulheres X homens, negros X brancos, empregados X patrões, gays X heteros) dividindo o país em duas bandas incomunicáveis e nos enfraquecendo como nação, para depois aparecer como pacificador.

É bom mantermos os olhos bem abertos contra as falas extremistas e as fanfarronices, pois, às vezes, o limite entre o ódio e a graça é imperceptível.

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