Princípios, que princípios?

por Sérgio Trindade foi publicado em 20.dez.21

Na última quarta-feira (15), a deputada federal Natália Bonavides foi atacada  pelo apresentador de TV Carlos Massa, Ratinho, na rádio Massa FM, em São Paulo (https://www.youtube.com/watch?v=zZHlo9DOaxo), e quase imediatamente vi amigos e colegas pronunciando-se sobre o caso. Colegas da instituição na qual trabalho, como professor, levantaram-se corretamente contra Ratinho e a favor de Natália.

O motivo da manifestação de Ratinho está ligado ao projeto de lei da deputada federal potiguar que propõe alterar os termos “marido e mulher” na celebração de casamentos civis, trocando o “vos declaro marido e mulher” por “firmado o casamento”, visto que há uniões civis entre pessoas do mesmo sexo e que, portanto, não se enquadrariam nas definições de “marido e mulher” (https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/12/07/pl-quer-derrubar-uso-da-expressao-marido-e-mulher-em-uniao-civil-entenda.htm).

Está entre as atribuições da parlamentar propor projetos de lei, como está entre as atribuições de um apresentador de rádio e televisão e de jornalistas tecer críticas à atuação de parlamentares, inclusive com palavras e termos duros, ainda que eu pense que Ratinho passou das medidas ao sugerir que formuladores de propostas do tipo da apresentada por Natália Bonavides devam ser metralhados. Tais coisas são dotas em mesas de bar, em rodas de amigos, espaços nos quais as bazófias são apenas bazófias, nunca, porém, numa rádio ou numa televisão, concessões públicas, ou em revistas ou jornais, como o fez o colunista Hélio Shwartsman, em junho de 2020, torcendo para que o presidente Jair Bolsonaro morra. Cheio de empáfia intelectualista e academicista, ele disse, para justificar sua posição infeliz: “Torço para que o quadro se agrave e ele morra. Nada pessoal. (…) Embora ensinamentos religiosos e éticas deontológicas preconizem que não devemos desejar o mal ao próximo, aqueles que abraçam éticas consequencialistas não estão tão amarrados pela moral tradicional” (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/07/por-que-torco-para-que-bolsonaro-morra.shtml). Trocando em miúdos, para o colunista da Folha de São Paulo, Bolsonaro deve morrer logo, pois só assim o Brasil começaria a entrar nos trilhos.

O que disseram Natália Bonavides e os meus amorosos colegas de trabalho sobre as palavras politicamente racionais e envoltas nos ditames da ética consequencialista proferidas por Hélio Shwartsman? Nada. Silenciaram. E sabem por quê? Simples: Bolsonaro é adversário deles, digo, inimigo, porque é assim que veem os adversários nos embates políticos. Igualzinho à postura dos adversários de Natália que vibram com as palavras de Ratinho.

Alguém pode dizer, mas Ratinho foi machista e misógino. Sim, como Lula que, em conversa gravada com o ex-ministro da casa civil, Paulo Vannucchi, referiu-se às feministas do PT como mulheres do grelo duro (https://extra.globo.com/noticias/brasil/lula-chama-feministas-do-pt-de-mulheres-do-grelo-duro-internautas-reagem-18897069.html).

O caso envolvendo Natália Bonavides e Ratinho deve seguir o curso esperado num regime democrático.

A parlamentar afirmou, em suas redes sociais, que as declarações de Ratinho põem sua vida e integridade em risco. Por isso, disse que acionará a justiça, porque acha que ameaças e ataques covardes não devem ficar impunes. “Vamos acioná-lo judicialmente, inclusive criminalmente”, encerrou Natália.

É assim que deve ser na democracia. Quem diz o que quer tem de estar preparado para arcar com as consequências. E o campo do embate é o judiciário.

Faço poucas críticas, neste caso, à postura de Natália e à de muitos dos meus colegas que saíram em defesa dela. Sinto, porém, que os meus colegas falharam em meados de 2020 ao silenciarem quando um professor da casa foi covardemente ameaçado de morte, em redes sociais, se viesse a pôr os pés na maior unidade de ensino da instituição na qual trabalho. O silêncio foi quase total. O que li e gravei, à época, mostra inclusive gente se rejubilando pela intrepidez de quem propôs matar o professor.

A militância – a aberta e a envergonhada, dos dois lados – não cansam de fazer contorcionismo para justificar os erros grosseiros de seus heróis e aliados. E assim seguimos, sem freio, rumo ao brejo.

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