Ciência e democracia
Há cientistas sociais, na esteira de muita gente boa, que insistem em ser profetas, e não cientistas. Todos, invariavelmente, quebram a cara e a história põe as coisas no seu devido lugar.
As falhas proféticas dos cientistas sociais decorrem da impossibilidade de isolar variáveis que possam ser controladas e do uso incorreto do passado como fundamento para previsão do futuro. Ora, o passado não é campo de testes para o que virá. Avaliação alguma vista em retrospecto, feita por qualquer historiador, concebe crédito suficiente para sustentar nossa fé em sua avaliação do futuro, porque conclusão alguma em relação à previsibilidade do futuro é capaz ser extraída a partir daquilo que historiadores descobriram sobre o que ocorreu no passado.
Nestes tempos em que muitos defendem a democracia, incluindo adversários e inimigos dela e que a ela acusam de ser burguesa ou adoradores de regimes ditatoriais nefastos e nefandos e também simpatizantes da violência como caminho para controlar a máquina estatal, ando retomando textos clássicos de autores consagrados para pontuar alguns preceitos por eles registrados.
Começo por Karl Popper, ao qual retornei com certa força por questões profissionais e pela crítica que ele fez aos regimes totalitários. Ressalte-se que o consagrado filósofo viveu o suficiente para ver nascer, colapsar e morrer a Alemanha nazista e a União Soviética stalinista.
Para Popper, a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stálin fundamentaram políticas de Estado bárbaras baseadas em filosofias pseudocientíficas e desprovidas, na mesma proporção, de lógica e de humanidade.
Popper considerava a democracia o único regime político que garantiria institucionalizar o conhecimento e a liberdade e, tendo em vista que considerava a última como pré-requisito para o primeiro, é possível afirmar que ele estava certo, afinal a falibilidade da democracia revelou-se um viço vigoroso, enquanto a infalibilidade dos ditadores revelou-se uma debilidade.
Os regimes totalitários produziram o devaneio e mesmo a quimera da coesão sem atrito e de unanimidade inabalável, entretanto ao sentenciar toda dissidência como traição, tais regimes perderam qualquer possibilidade de aperfeiçoamento e autocorreção por meio da crítica.
O amor do filósofo austríaco pela democracia é plenamente justificável porque, além de impedir derramamento de sangue quando os governos malogram ou desmoronam, ela é construída e se constrói a partir de instituições que estão sempre acessíveis aos avanços científicos dos quais depende o prazer e a bonança vindoura da humanidade.