O golpe de 1964 foi movimento civil – 5
A crise que abalava as estruturas políticas do Brasil se arrastava desde a queda de Getúlio Vargas, em 1945, passou pelo suicídio do próprio Vargas em 1954, pela eleição de Juscelino Kubitschek e a tentativa de golpe de Estado para impedir a sua posse, o golpe de Estado que viabilizou a posse de JK, arremedos de golpes de Estado ao longo do governo do próprio JK, renúncia de Jânio Quadros e tratativas para garantir a posse do Vice-Presidente João Goulart e daí em diante conspirações (eram vários os núcleos conspiradores) para derrubar Jango.
O governo de João Goulart foi um governo de crises, desde sua posse, com poderes subtraídos por emenda parlamentarista, passando pela aprovação, via plebiscito, em janeiro de 1963, do retorno ao presidencialismo, com resultado de 9,5 milhões de votos contra 2 milhões.
Élio Gaspari, que escreveu um dos mais densos trabalhos sobre o período autoritário de 1964 a 1985, aponta que Jango não era exatamente um democrata. O então Presidente ensaiara, em outubro de 1963, um golpe de Estado, “solicitando ao Congresso a decretação do estado de sítio”, sendo abandonado pela esquerda. O esquema era depor os governadores de São Paulo (Adhemar de Barros) e da Guanabara (Carlos Lacerda) e, no limite, de Pernambuco, Miguel Arraes. Estava acertado que Lacerda seria sequestrado “por uma tropa paraquedista”, mas o plano deu errado, pois o “coronel escalado para a ação pediu ordens escritas”, obrigando o general que chefiava a operação procurar “dois outros oficiais”, que também “ficaram na mesma linha”. Quando finalmente um coronel apareceu “disposto a fazer o serviço, Lacerda já tinha partido. Desamparado, Jango se submeteu à humilhação de retirar o projeto que remetera à Câmara.” Paulo Markun, em Na Lei ou na marra (1964-1968), assim expõe o caso: “No dia 4 de outubro, Jango reagiu mandando um pedido formal de decretação de estado de sítio para o Congresso. Enquanto o documento era protocolado em Brasília, no Rio, o coronel de Artilharia, Francisco Boaventura Cavalcante Júnior, comandante do GOAeT (Grupo de Obuses Aeroterrestres), recebeu verbalmente a ordem para prender Lacerda, ‘a qualquer custo’ – expressão que no jargão militar podia significar vivo ou morto.”
A disposição do Presidente, segundo Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes, em 1964 – o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil, mesmo Jango tendo uma relação conflituosa com o Congresso Nacional, pois aprovara “projetos por ele defendidos, o que reforça o diagnóstico de um governo que se movia com muitas resistências, mas que conseguiu deslanchar processos decisórios muito importantes para o Brasil. (…) Nesse contexto, Goulart efetivamente governou com oscilações, tanto no campo da economia com no das alianças políticas que tentava construir, (…) tendo de levar em conta o delicado equilíbrio de forças dentro das esquerdas e dos setores moderados, que ora se dispunham a apoiá-lo, ora não mais. Esse foi o caso do PSD no final de 1963”, era aproximar-se dos núcleos mais radicais da esquerda, pois esgarçada a frágil costura que mantinha unidos os mais diversos grupos políticos em torno do governo e percebendo que não podia ficar no sereno, Jango anunciou, no dia 13 de março de 1964, no comício da Central do Brasil, de acordo com Élio Gaspari, na sua A ditadura envergonhada, “sua disposição de lançar o governo na campanha das reformas de base”, pois, indicam Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes, o Presidente “se convenceu de que sua estratégia de unir politicamente o PTB e o PSD, encaminhada desde sua posse em 1961, não daria mais os resultados que desejou.”
Estava definitivamente encaminhado o destino do governo, consumado entre o final de março e o início de abril.