André de Albuquerque Maranhão
Hoje, 26 de abril é dia de rememorar a morte de André de Albuquerque Maranhão, o Andrezinho de Cunhaú, líder maior, aqui no Rio Grande do Norte, da Revolução Pernambucana de 1817, aquela que Câmara Cascudo, em sua História do Rio Grande do Norte, disse ter sido “a mais linda, inesquecível, arrebatadora e inútil das revoluções brasileiras. Nenhuma nos emociona tanto nem há figuras maiores em tranquila coragem, serenidade e compostura suprema, decisão de saber morrer, convencidos da missão histórica assumida e desempenhada. Morrem fazendo frases, dignos, certos de uma participação pessoal no futuro que só evocaria com a lembrança apaixonada dessas fisionomias graves, fervorosas e enamoradas do idealismo político.”
André de Albuquerque Maranhão foi homem muito rico, proprietário do maior engenho do Rio Grande do Norte e herdeiro “da numerosa e distinta família dos Albuquerque”, dono “de imensas propriedades territoriais”, com plantações em Cunhaú que “ocupam quatorze léguas ao longo da estrada” e de uma “outra terra vizinha, igualmente vasta”, sem contar “as terras que ele possui no Sertão, para pastagens de gado, supõem não inferiores de trinta a quarenta léguas”, conforme Koster, citado por Olavo de Medeiros Filho, na obra O Engenho de Cunhaú à luz de um inventário e em 1817 já era experiente conspirador, dada a sua participação na conspiração da família Suassuna, na capitania de Pernambuco, em 1801, considerada um ensaio do movimento revolucionário de 1817.
A conspiração dos Suassuna teve reuniões “muito concorridas” na casa dos Suassuna, em Recife, segundo Olavo de Medeiros, em Aconteceu na capitania do Rio Grande, “o que ensejou uma delação feita por José da Fonseca Silva e Sampaio, que revelou o fato de que naquelas reuniões (…) estaria em marcha uma conspiração que tinha por objetivo (…) implantar em Pernambuco uma República sob a proteção de Napoleão Bonaparte. A conspiração, na realidade, não ultrapassou o plano das ideias, nem chegou a concretizar-se em atos de rebeldia. A delação abortou o movimento ideológico, ocorrendo então a prisão dos principais acusados. Por ocasião da devassa de 1801 em Pernambuco, foram inquiridas oitenta testemunhas, inclusive ANDRÉ DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, apontado por três depoentes como sendo uma das pessoas que entravam com mais frequência na casa dos Suassuna, gozando ademais de muita familiaridade e particularidade com José Francisco de Paula e seus irmãos”, e dois outros que, dezesseis anos depois, estarão na linha de frente da revolução que engolfou o Rio Grande do Norte e outras área do nordeste – “José Inácio Borges ‘branco, casado, porta-bandeira do Regimento de Linha de Olinda, de 25 anos de idade’ e José Alves de Quental, ‘branco, solteiro, morador nesta vila (Recife)’.”
No depoimento prestado às autoridades, André de Albuquerque, segundo Olavo de Medeiros Filho, diz na obra acima citada, ter residido em Recife entre 1800 e 1801, “ali levado pelo trato dos seus negócios” e que “saía do Recife ‘logo de manhã a tratar deles e muitas vezes nem ao jantar se recolhia’.” Há quem afirme que a família comprou “a peso de ouro a absolvição.” Em 1806, Andrezinho de Cunhaú assumiu, após o falecimento do seu pai, o posto de Coronel da Cavalaria Miliciana da Divisão do Sul da Capitania do Rio Grande do Norte e, em 1810, o jovem senhor de engenho e coronel estava em Cunhaú para receber “a visita do britânico Henry Koster, renomado autor de Traveis in Brazil”. Em Notas para a história do Rio Grande do Norte, Olavo de Medeiros Filho registra que Koster dedicou algumas páginas do seu famoso livro ao engenho Cunhaú.
No Rio Grande do Norte, a Revolução de 1817 foi movimento praticamente arquitetado e liderado pela família Albuquerque Maranhão, porquanto nove dos líderes da insurreição serem daquele núcleo familiar. Dos 28 implicados e processados pela participação no movimento, três eram senhores de engenho: André de Albuquerque Maranhão (senhor de Cunhaú), Luís de Albuquerque Maranhão (dono do engenho Belém) e um outro André de Albuquerque Maranhão, primo do senhor de Cunhaú (proprietário do engenho Estivas), quatro padres e 16 oficiais de milícias, alguns deles membros da família Albuquerque Maranhão.
Em 25 de março o movimento revolucionário estava vitorioso no Rio Grande do Norte e, no dia 28, André de Albuquerque Maranhão, o seu principal líder por estas bandas, entrou em Natal com suas tropas, instalando, no dia seguinte, o governo provisório composto por ele, coronel André de Albuquerque Maranhão, capitão de Infantaria Antônio Germano Cavalcanti de Albuquerque, coronel de Milícias José Joaquim do Rego Barros, capitão de Milícias Antônio da Rocha Bezerra e o padre Feliciano José Dornelas, vigário da Freguesia, todos homens de posses ou bem assentados na máquina estatal, recebendo apoio militar de Pernambuco que para cá enviou, a 30 de março, regimento comandado por José Peregrino Xavier de Carvalho, segundo Cascudo “figura moça, airosa, entusiástica, de sugestiva vibratibilidade” e que se constituiu em “anteparo e sustentação do Governo de André de Albuquerque Maranhão”.
Antes disso, José Inácio Borges, governador do Rio Grande do Norte, logo que soube da vitória dos revolucionários em Pernambuco, lançou circular em 12 de março, citada por Tavares de Lyra na sua História do Rio Grande do Norte: “Povos da capitania do Rio Grande do Norte: no dia 9 deste mês apareceu nesta cidade uma notícia confusa de que na vila de Santo Antônio do Recife, de Pernambuco, havia aparecido na tarde do dia 6 um tumulto popular, do qual se tinham seguido algumas mortes, sem contudo assinar-se o motivo que o tinha operado, e na noite do dia 12 por carta que dali tive de pessoa fidedigna, que não teve parte naquele lamentável acontecimento, nem nas suas consequências, fui avisado de que o resultado daquele tumulto e sedição produziu a saída imediata do general daquela capitania para o Rio de Janeiro e que alguns daqueles facciosos, por efeito a mais inaudita rebeldia, haviam assumido e usurpado a jurisdição do governo, permutando deste modo a paz e tranquilidade de que gozavam os habitantes daquela capitania pelos horrores de uma espantosa anarquia. Não me importando averiguar a origem e progresso daquele detestável atentado, e cumprindo-me só ilustrar-vos sobre ele, recordar-vos a vossa inata fidelidade para com o legítimo Soberano, que até agora nos tem regido com direito de Senhor e desvelo de Pai, no augusto nome do Senhor D. João VI, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em África Senhor de Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, vos declaro que estão acabadas as nossas relações e correspondências com todo e qualquer governo ou autoridade levantada atualmente em Pernambuco, e enquanto não nos constar que um general ou outro legítimo delegado de Sua Majestade restabeleceu ali a sua soberania, e reclamando de vós o solene juramento de fidelidade que lhe tendes prestado, e que tem sido sancionado pela nossa Santa Religião, vos convido para que vindos a mim, e debaixo das suas Reais Bandeiras, conservemos pura e sem mácula a nossa nunca interrompida obediência e vassalagem, e possuídos de sagrado entusiasmo gritemos em altas vozes: Viva, Viva, Viva El-Rei Nosso Senhor.” Em seguida, segundo Cascudo, pernoitou no engenho Belém e ao raiar do dia, “estava cercado de tropas, cavalarianos, oficiais, populares, dirigidos por André de Cunhaú”, sendo em 3 de abril transferido para Recife, onde ficou preso na fortaleza das Cinco Pontas.
Enquanto o regimento comandado por José Peregrino esteve no Rio Grande do Norte, o governo de André de Albuquerque se sustentou sem sobressaltos. Quando se retirou, em 25 de abril, o governo sucumbiu, pois sem contar com o apoio popular o clima, segundo Cascudo, era desfavorável, com os monarquistas reunindo-se para conspirar na residência do alfaiate Manuel da Costa Bandeira. Para Denise Monteiro, o governo de André de Albuquerque sucumbiu porque as divergências na Junta Provisória de Governo deixaram o senhor de Cunhaú isolado. A saída das tropas de Peregrino do Rio Grande do Norte deu oportunidade aos monarquistas para organizar a resistência com o objetivo de retomar o controle da situação. Diz Cascudo: “Tudo está preparado para a restauração das Reais Bandeiras. André de Albuquerque está só. Nenhum dos seus seiscentos homens da Ordenanças. Nem um das centenas de escravos fiéis. Nenhum dos incontáveis parentes. Resta-lhe apenas o último, fiel. Impassível, o Padre João Damasceno, ao seu lado. O sino da Matriz bate lentamente nove badaladas. É o sinal de mulher em parto, aviso combinado.” Na madrugada de 25 de abril, o prédio do governo foi invadido pelos monarquistas, que partiram da casa do alfaiate Manuel da Costa Bandeira, de acordo com Cascudo, “agitando armas, vivando El-Rei e dando morras à Liberdade, convencidos da incompatibilidade entre os dois símbolos”. Não houve reação. A sala onde estava André de Albuquerque foi invadida e ele foi preso. Assim descreve os últimos momentos de agonia até o seu falecimento no dia 26 de abril: “Invadem a sala. André de Albuquerque ergue-se da mesa, surpreendido. Há um rápido e confuso tumulto. Alguém atravessa-lhe a virilha com a espada. André segura a lâmina e fere dois dedos (…) ferido (…) é empurrado para o Forte. Atiram-no no quarto escuro, salinha irrespirável e com trevas quase palpáveis. Sangrando, sedento, jogado nas pedras geladas, agoniza o dia e a noite inteira, abandonado. (…) Pediu água. Negaram. Pede um travesseiro. Mandam uma pedra que é o travesseiro dos pedreiros livres e dos hereges. (…) O soldado Inácio Manuel de Oliveira consegue levar-lhe água e uma trouxinha de roupa para apoie a cabeça. Nenhum remédio. Nenhuma assistência. André morre pela madrugada de 26 deitado na esteira que o soldado arranjara.”
A morte de André de Albuquerque Maranhão, o Andrezinho de Cunhaú, é o capítulo final da revolução de 1817 em terras potiguares, revolução que teve ensaio organizado uma década e meia antes.