Massacres portugueses contra os holandeses
Muito se escreveu, escreve-se e se escreverá sobre a amistosa e a inamistosa convivência entre portugueses, brasileiros e holandeses na primeira metade do século XVII, os últimos invadiram o Brasil e por aqui ficaram por pouco mais de duas décadas, de 1630 a 1654.
Na então capitania do Rio Grande, atual Rio Grande do Norte, pouco restou da presença flamenga, exceto, e hoje não é pouco, as referências aos massacres perpetrados pelos protestantes holandeses contra a população católica. Os massacrados foram de mártires a beatos e, atualmente, santos.
Depois de tentarem uma invasão, logo frustrada, à Bahia, os holandeses invadiram Pernambuco em 1630, com o objetivo de controlar a produção e comercialização do açúcar.
Três anos depois, depois de uma feroz batalha em que desfecharam um cerrado bombardeio à Fortaleza de Santos Reis, os holandeses venceram a resistência dos soldados portugueses e brasileiros, tomaram-na e ocuparam a capitania do Rio Grande por 21 anos.
Em 1637, com a chegada de Maurício de Nassau, a situação começou a se estabilizar. Durante o governo de Nassau não houve conflitos entre holandeses e portugueses por questões religiosas. Nassau concedeu liberdade de culto para os luso-brasileiros.
O período em que Maurício de Nassau governou o Brasil-holandês (1637-44) foi de significativo desenvolvimento econômico e, principalmente, um dos mais auspiciosos, em virtude da convivência até certo ponto amistosa entre luso-brasileiros e holandeses. Nassau renovou a administração colonial e foi relativamente tolerante com os católicos e os judeus, permitindo-lhes o livre exercício do culto. Porém, após a sua partida, os holandeses passaram a perseguir os católicos, inclusive matando alguns missionários.
A presença flamenga no Brasil, entretanto, mesmo durante os áureos tempos de Nassau, nunca chegou a ser estável. Em Pernambuco e cercanias, com a cooptação de considerável parcela de senhores de engenho houve relativa calmaria, mas nos centros mais distantes de Recife e Olinda, o ambiente era conturbado.
A tática holandesa junto aos indígenas foi a das boas relações. Alguns índios foram estudar na Holanda, como o chefe potiguar Antônio Paraopaba, um dos comandantes do massacre de Uruaçu, Pedro Poti e outros.
No Rio Grande, houve uma intrincada aliança com os índios janduís, tradicionais inimigos dos potiguares, mais chegados aos portugueses, o que resultou, em momentos, críticos na perseguição a algumas comunidades indígenas rivais e, também, a alguns núcleos portugueses.
Em 1645 as relações entre holandeses e luso-brasileiros estavam se deteriorando rapidamente. Em junho daquele ano começou uma insurreição. O clima político ficou mais favorável para a difusão do movimento insurrecional após a partida de Nassau e a instituição de novos governantes sem a mesma eficiência, lucidez e astúcia.
Em virtude da escassez de alimentos, os holandeses saqueavam as propriedades e incitavam os índios contra os portugueses, como forma de diminuir a população, e equacionar o problema da falta de comida. Conseguiram, em parte, seus objetivos, lançando os índios janduís contra os portugueses e seus aliados potiguares.
Como delegado holandês frente aos janduís encontrava-se um alemão chamado Jacob Rabi, funcionário dos holandeses e responsável pelas maiores atrocidades cometidas durante o domínio flamengo, incluindo a liderança nos massacres históricos em Uruaçu e Cunhaú, que deram ensejo a uma nova etapa na reação luso-brasileira contra a presença holandesa no Brasil, pois potencializaram a reação luso-brasileira.
Depois da onda de massacres executada pelos holandeses, os luso-brasileiros reagiram, organizando expedições punitivas contra os flamengos, destruindo as suas propriedades, assassinando os seus funcionários e espalhando o terror no Nordeste holandês, principalmente na capitania do Rio Grande.
As forças portuguesas e brasileiras utilizaram a mesma tática de “terra arrasada” posta em prática pelas forças holandesas e aliadas, que consistia na destruição de engenhos e canaviais, roubo de escravos e de gado, além de mortes, muitas mortes de holandeses.
Segundo historiadores como Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Tarcísio Medeiros, Denise Monteiro e outros, as ações de represália aos massacres não tardaram. Em fins de 1645, João Barbosa Pinto apareceu em Cunhaú e vingou todo o sangue derramado, atacando os holandeses e seus amigos que ali residiam; na noite de 05 de abril de 1646 Jacob Rabi foi assassinado a tiros e golpes de espada, em Natal; em 05 e 06 de janeiro de 1648, Henrique Dias, o glorioso negro Mestre de Campo, atacou os holandeses em Guaraíras (Arês), matando muitos holandeses, os seus escravos e os seus aliados indígenas; em agosto de 1651, mais uma vez João Barbosa Pinto reaparece em Cunhaú, sendo seguido pouco depois por Antônio Dias Cardoso que, sabendo da intenção dos holandeses de fazer funcionar aquele engenho, incendiou tudo, impedindo o seu funcionamento.
O resultado desse clima de insegurança na capitania levou os portugueses e brasileiros a migrarem para as capitanias vizinhas. Os povoados da capitania do Rio Grande foram abandonados. Somente depois de anos de batalhas sangrentas e de massacres de parte a parte, os holandeses se renderam em Recife, em 1654, o que permitiu o restabelecimento do domínio português no Rio Grande (do Norte).
Quem foi Jabob Rabi?
Câmara Cascudo diz que Jacob Rabi era um homem inteligente e observador, sendo suas notas sobre a vida dos índios janduís um importante depoimento etnográfico, tendo servido de base para importantes estudos sobre essa tribo.
Alemão nascido no condado de Waldeck, veio para o Brasil junto com Maurício de Nassau. Ficou como delegado holandês junto aos índios liderados por Janduí, vivendo quatro anos com os índios. Inteligente e poliglota, Rabi aprendeu os costumes e a língua dos índios. Após os quatro anos de vivência entre os índios, Rabi passou a morar no Castelo de Keulen (Fortaleza dos Reis), de onde saía, de vez em quando, para executar missões encomendadas pelos chefes da Companhia das Índias Ocidentais. Foi ele o agente de dois dos maiores massacres feitos na capitania, o de Cunhaú e o da Casa de João Lostão Navarro. A notícia desses dois massacres e de outros despertou uma onda de revolta e insatisfação na população, o que praticamente selou o destino de Jacob Rabi.
No dia 05 de abril de 1646, Jacob Rabi é morto a tiros e golpes de espada em Natal, onde hoje é o bairro das Rocas. Instaura-se inquérito. O principal suspeito era Garstman, parente de João Lostão (uma das vítimas de Rabi), que foi embarcado para Recife e de lá para a Holanda.
A morte de Jacob Rabi amainou o fervor dos índios janduís, que perderam um pouco do entusiasmo que dedicavam aos holandeses.
Por Sérgio Trindade