D. Alexandre I, o Possesso

por Sérgio Trindade foi publicado em 31.jul.20

A liberdade de manifestação do pensamento, costumeiramente chamada de liberdade de pensamento e de expressão está garantida no Inciso IV do artigo 5o da Constituição Federal, de 1988:

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Dia sim, dia não, o Supremo Tribunal Federal (STF) comete, dia e noite, atentados contra a liberdade individual.

Entre os membros do STF o mais arrojado na arte de solapar a liberdade é o ministro Alexandre de Moraes, que conduz, naquela Corte, o Inquérito das Fake news, excrescência parida por Dias Toffoli e que, atônitos ou envergonhados ou animados as excelências de toga deixam correr.

Diligente, Alexandre de Moraes, como um Luís XIV do século XXI, vestiu-se de tirano e incorporou simultaneamente três figuras: delegado de polícia, promotor e juiz.

A onipotência alexandrina é tanta que o ministro ressuscita investigações ilegais, distribui mandados de busca e apreensão em velocidade quântica, faz intimações rumorosas, censura sites, fecha contas nas redes sociais, entre outros excessos, sob o silêncio conivente e cúmplice de colegas e da imprensa. Parte da mídia, é bom ressaltar, festeja a tirania do rei sol esseteefiano.

Juristas sérios dizem abertamente que o Inquérito das Fakes News é flagrantemente ilegal e inconstitucional, pois viola o sistema acusatório, afinal juiz não investiga, tarefa que cabe ao ministério público e à polícia. Além disso, ofende ao princípio da livre distribuição, pois o juiz que julgará o caso investigado não pode ser indicado, mas escolhido por meio de sorteio.

Em meados do ano passado, o mesmo Alexandre de Moraes censurou a revista Crusoé e o site Antagonista, exigindo que retirassem o ar a reportagem “O amigo do amigo do meu pai”, que revelava documento da Lava Jato no qual era exposto por Marcelo Odebrecht que Dias Toffoli, presidente do STF, tem o apelido “Amigo do amigo do meu pai”. (https://crusoe.com.br/diario/urgente-ministro-do-stf-censura-crusoe/) (https://theintercept.com/2019/04/15/toffoli-crusoe-reportagem-stf-censura/).

A ação de Alexandre de Moraes era, à época, como é hoje, violação da liberdade de expressão.

Como vivemos, nos dias atuais, um estado de guerra ideológico, que ocasiona confrontos radicais, permitir a liberdade de expressão de maneira absoluta pode gerar embates cada vez mais sérios, inclusive físicos. Por isso, é necessário cuidado quando for necessário questioná-la.

Fazer críticas contundentes e fundamentadas a pessoas e a instituições não é crime. Refutar teorias, por mais sólidas que sejam, não é incitar ao ódio. Logo, o cerceamento a liberdade de expressão, como querem agentes políticos, mesmo sob o amparo do STF, como medida protetiva às suas imagens pessoais, sem que se tenham esgotado todos os trâmites legais, não é o caminho mais eficaz dentro de um regime que se alardeia democrático.

No Brasil, projetos de leis e ações movidas pelo STF tentaram e tentam silenciar a mídia e as redes sociais. E não esqueçamos que, nos dias que seguem, a internet é um dos pilares da democracia. Por isso, qualquer atuação arbitrária do Estado que vise limitar o acesso a ela ou que tente limitar a liberdade de expressão e de pensamento, não condiz com os princípios democracia.

(http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaInternacional/anexo/Artigo13.pdf)

A própria Constituição já estabelece limite ao exercício da liberdade de expressão: o anonimato. Há outros direitos com os quais ela pode colidir: os relativos à honra, à imagem e à personalidade, como ensina Norberto Bobbio: “Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem, ao contrário, ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem, e não se pode proteger incondicionalmente um deles sem tornar o outro inoperante. Basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro. Nesses casos, que são a maioria, deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente. E, dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um termina e o outro começa, a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas.”

Existem mecanismos legais para, quem se sentir lesado por opinião, exigir reparação, como determina o inciso V do mesmo artigo 5º acima citado: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. E, outras palavras, se alguém abusar da liberdade de expressão, invadir a intimidade de outrem, atacando a sua dignidade injustamente, poderá ser processada, com base na Constituição Federal e no Código Penal, por calúnia, injúria ou difamação, ou pelas três violações juntas, sem que isso constitua cerceamento da liberdade de expressão.

As fakenews são, atualmente, um dos grandes males das sociedades de massas. Existem mecanismos legais, conforme apontam juristas renomados, para combatê-las. A censura não é, certamente, o caminho mais edificante.

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