O revolucionário de suvaco

por Sérgio Trindade foi publicado em 30.maio.19

Desde as jornadas de 2013, quando intelectuais e candidatos a intelectuais festejaram vândalos quebrando vidraças de lojas e de prédios públicos e troçaram quando vozes moderadas apontaram o erro de tais ações, a política entrou no rol dos crimes deste país, candidato eterno a potência, mas useiro e vezeiro na arte de flertar com o fracasso.

Dali em diante entramos numa escalada de radicalismo político donde não conseguimos sair. O primarismo da construção binária deu o tom: petralhas X coxinhas, comunistas X fascistas, bolsominions X petistas.

Todos somos comunistas ou fascistas, a depender da percepção, do humor, da falta de leitura ou da (des)honestidade intelectual do “interlocutor.

O primarismo e o binarismo presentes em tais expressões, carregadas para “análises políticas”, não explicam nada e, no limite, destroem qualquer possibilidade de construção democrática, pois deixam à margem imenso contingente que não se associa a qualquer dos lados contendores, mas terminam por vincular-se ao lado que julgam menos deletério.

Os pontos culminantes desta espiral amalucada foram o impedimento de Dilma Rousseff, a campanha presidencial do ano passado e este início do governo Bolsonaro.

Pouco adiantava alguém levantar argumentos favoráveis ou contrários ao andamento do processo que levou à queda da presidente Dilma. Se favorável, era fascista ou coxinha; se contrário, comunista ou petralha. Fernando Henrique Cardoso passou a ser apontado como fascista e Ciro Gomes, como comunista.

Vi gente boa entrando na pilha e acusando ou deixando ser acusadas pessoas que atuavam com moderação.

Logo após o impeachment de Dilma, em 2016, no início de período letivo de uma respeitável Escola, testemunhei um professor pedir a palavra e propor que a instituição deveria ir atrás de todos os servidores que foram favoráveis ao impeachment da presidente (voltarei a este tema em outro texto). Ali, dava o ar da graça um revolucionário de suvaco, aquele que anda com livros para cima e para baixo, sem os ler, debaixo do braço.

Dilma caiu, permanecemos em meio à tempestade criada em 2013 (sinto-me orgulhoso em dizer que não participei daquilo) e estamos construindo outra tempestade, desde a eleição de 2018 e o início do governo Bolsonaro, tão ou mais perigosa do que aquela.

Sou um frequentador das redes sociais. Lá posto minhas bobagens, dou uns pitacos sobre futebol e política e procuro interagir com amigos (alguns reais e muitos virtuais) da melhor maneira possível. Não excluo ninguém, exceto se vier com agressões. Admito exaltações, agressões não.

Pois bem, passeando os olhos pela internet ontem deparo-me com algumas preciosidades. Um professor, da mesma Escola do proponente da perseguição pós-impeachment de Dilma, anda sugerindo que, após restabelecimento da democracia (?!), haja “um justiçamento revolucionário”. Um novo revolucionário de suvaco surge para, num ato de força, resolver, como por encanto, todos os problemas do Brasil, quiçá do mundo.

Eu poderia achar que a arenga do revolucionário de suvaco seria apenas a expressão de um doidivanas isolado. Mas não. O jovem revolucionário de quase meio século de vida foi apoiado por outros colegas professores.

Um expert em história e em epistemologia, que, se muito, folheou livros de História e de Epistemologia da Ciência, saiu das profundezas do pântano para denunciar o desvirtuamento da visão de história e de ciência que muitos de seus colegas têm. Censurou a posição extremista de determinados grupos políticos e pessoas, mas silenciou, convenientemente, sobre a de outros, inclusive sobre a proposta de justiçamento revolucionário pós-restabelecimento da democracia.

Que Carr, Le Goff, Bloch, Popper, Kuhn, da História e da Epistemologia, não sejam superados pelos sábios de suvaco, aqueles que nunca leem nada mas sempre têm opinião para dar. E que o docente candidato a tirano não atinja o estágio de Stálin, Hitler, Mao, Fidel e outros assassinos que empunharam a lança de utopias regressistas.

Professores deveriam formar jovens e ensiná-los a conviver, apesar das diferenças que têm.

Mas essa gente que vomita discurso sobre o direito que tem de se expressar prefere negar o mesmo direito aos adversários de fazer o mesmo. É essa gente que delata covardemente colegas de trabalho aos superiores do Partido, para que sejam prejudicados no espaço de trabalho e depois posa de vestal.

A cizânia política está destruindo qualquer forma de convivência entre os contrários e, por tabela, o futuro do país.

 

 

Por Sérgio Trindade

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