Espártaco e Zumbi, um paralelo (1)

por Sérgio Trindade foi publicado em 29.jul.23

A história da rebelião liderada por Espártaco, na Roma pré-primeiro triunvirato, e a estruturação do Quilombo dos Palmares, por Zumbi, na segunda metade do século XVII, guarda algumas semelhanças.

É sobre isso que vou escrever, em três textos curtos (aproximadamente uma lauda cada).

A história política da Roma Antiga é marcada por guerras civis. A própria história da fundação da cidade, pelos gêmeos Rômulo e Remo, e o posterior desentendimento entre os irmãos é um registro simbólico disso.

A ordem política romana passava por constantes rupturas por volta do período entre 90-40 a. C. As manifestações de violência de rua eram, como diz renomada historiadora, “parte da vida cotidiana.” Os diversos conflitos sociais por vezes descambaram para guerras civis. Todos, conflitos menores e guerras civis, batizados com, segundo registra Mary Beard no seu ótimo SPQR, uma história da Roma Antiga, “o curioso e enganosamente adequado título moderno de Guerra Social”, vindos na esteira das propostas reformistas dos irmãos Graco, Tibério e Caio.

Um cônsul, Lúcio Cornélio Sula, tornou-se o segundo romano, em 88 a. C., a usar as suas legiões para invadir Roma. No auge do seu poder chegou a ditador, título arrancado do Senado. Renunciou a tudo em 79 a. C., não sem antes implementar um programa de reformas conservadoras e estabelecer um reino de terror, perseguindo e expurgando adversários políticos. Milhares de homens, incluindo um terço de todos os membros do Senado, foram caçados por todo o território dominado pelos romanos e tiveram suas cabeças postas a prêmio.

O quadro de instabilidade avançou e parte significativa desse grupo e seus aliados alimentaram “a famosa ‘guerra’ de escravos de Espártaco”, iniciada em 73 a. C. e que segue sendo “um dos conflitos mais glamourizados de toda a história romana” (nisso Hollywood desempenhou papel crucial), com os seus mitificadores insistindo que os escravos só resistiram à força dos exércitos romanos porque as tropas deles eram formadas por gladiadores.

É certo, afiança Mary Beard, que entre os escravos rebelados existiam muitos “gladiadores desgarrados”, mas isso sozinho pouco explica a força do grupo. Para ela, os escravos contaram “com o reforço de muitos dos cidadãos romanos descontentes na Itália”, do contrário não teriam condições de resistir “às legiões por quase dois anos”. O que existiu ali, concluí, “foi uma combinação de rebelião escrava com guerra civil”, que acirrou ainda mais o ambiente político no mundo romano e apressou mudanças políticas significativas e responsáveis pelo fim da república.

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